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domingo, 11 de dezembro de 2022

FUTEBOL E SOBERBA

 


A Croácia derrotou a equipe que dizem representar o Brasil na Copa do Mundo de Futebol 2022. Disputa de pênaltis, depois de empatar na prorrogação. Vida que segue. Segue? Para algumas pessoas, não.  Esse resultado adverso significou um trauma, a esperança despedaçada, uma tragédia grega. Daqui a vinte ou trinta anos comentarão, com ar saudosista, que a oportunidade escapou pelo vão dos dedos nos últimos cinco minutos de jogo. Um desastre. Afinal, quase todos concordam que o futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes (nas palavras de Arrigo Sacchi, técnico italiano).

O ufanismo produzido pelos mercenários esportivos (com ou sem diploma de jornalismo), aquele que decretou a superioridade futebolística do Brasil sobre as outras equipes, nunca está preparado para perder. E quando isso acontece, algumas providências são tomadas imediatamente. A principal é lubrificar as engrenagens da guilhotina. A lâmina afiada precisa decepar a cabeça de alguém para que os interesses e os negócios não sejam (muito) prejudicados. A vítima pode ser qualquer um. O treinador, o jogador que errou o pênalti ou aquele que se omitiu, o goleiro, o árbitro. Não importa se é culpado ou inocente (embora não existam inocentes). A decapitação é o prêmio dos perdedores.

A possibilidade de o outro time ter jogado melhor ou preparado uma estratégia de jogo adequada para o confronto sequer é considerada. A equipe rival é (sempre foi) uma sombra, um grupo de jogadores sem identidade, sem rosto, sem história, sem o desejo de vencer, e que, ao fim e ao cabo, só se apresentam em campo para serem derrotados com facilidade. Ou, na pior das hipóteses, em consequência de algum contra-ataque demolidor (e que salva a pele daqueles que estavam passeando em campo). Esse lance, frequentemente individual, consagra o craque. A obra de arte em forma de drible, acrobacia ou equívoco do adversário, será cantada em prosa e verso por toda a eternidade. Pois, como é de consenso, apenas a vitória importa – e desculpa todos os erros anteriores.  

O futebol brasileiro não possui autocrítica. Nem psicólogos. A cena histérica, com o grupo de marmanjos chorando copiosamente após o desfecho da partida, indica que eles não estavam preparados para administrar a frustração. Ou seja, não superaram a fase adolescente. Talvez nunca superem. Para quem os manipulam, o melhor é que continuem sendo apenas meninos.

Por isso, na próxima competição, que pode ser contra as Ilhas Faroe ou o Sudão do Sul (valendo taça, flâmula ou figurinhas do álbum da Copa), os parasitas, digo, os dirigentes acenarão para os jogadores com a promessa de um doce, qualquer doce. Basta vencerem. E esse agrado colocará a equipe nos trilhos. E tudo voltará ao controle – ou seja, para a mesma estagnação de sempre.          

Recordar um dos poemas de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) se faz necessário. Nos primeiros versos do Poema em Linha Reta encontramos o resumo da ópera: Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E nesse tom, cabe concluir que nenhum interessado em obter algum tipo de vantagem com o futebol quer ser considerado vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza

Quando não se consegue distinguir entre o  certo e o errado, surge a soberba – que é uma das formas de ignorar a existência do Outro, daquele que nos complementa e nos mostra a realidade mais amarga. 


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