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sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

O CASO DO CHUVEIRO E DA BANHEIRA

 


Ficar em casa nunca me causou problemas; ao contrário, gosto – e muito! Internet, televisão, livros, CDs, filmes – distração não falta. Posso escrever o que quiser, na hora que quiser, e ninguém vai atrapalhar. Tenho comida no armário e na geladeira. Não é uma vida ruim. Mas,... Sempre aparece um imprevisto. Queimou a resistência do chuveiro.

Queimar a resistência do chuveiro se tornou uma expressão errada, me ensina o Assistente para Assuntos Elétricos e Hidráulicos (AAEH). Não existe mais essa história de curto-circuito, estouro, susto, medo de ser eletrocutado. Os chuveiros modernos, seguindo as regras da obsolescência programada, possuem placas eletrônicas e que – em determinado momento – deixam de funcionar. É, literalmente, uma ducha de água fria.

Foi isso o que imagino ter acontecido. Tomei banho pela manhã. Não percebi nada de diferente. No final da tarde, água gelada. Poderia acrescentar que não desejo banho frio nem para o meu pior inimigo, mas isso é mentira, desejo sim – além de suplícios outros.

Naquele momento, após exprimir inúmeros palavrões impublicáveis, disse para mim mesmo que era muito azar acabar a luz na hora do meu banho. Enxuguei o corpo e, diante do interruptor, disse: Fiat Lux. Fez-se. O que me levou à conclusão de que a causa da crise era outra. Nada mais me restou senão voltar para debaixo da água gelada. Foi um banho rápido, muito rápido. O mesmo aconteceu na manhã seguinte.   

O AAEH chegou logo depois do almoço, trocou a engenhoca, fez o serviço em menos de 30 minutos. Paguei sem reclamar – e pagaria mais se fosse necessário. Tenho dificuldades psicológicas com qualquer coisa que envolva eletricidade. Por exemplo, trocar lâmpada sempre foi uma tragédia. Preciso desligar o quadro geral de luz do apartamento antes de iniciar a atividade. Quando começaram a comercializar essas lâmpadas que duram quase uma eternidade, minha vontade foi a de ir até a gruta de São Bom Jesus de Iguape, acender vela, e agradecer aos deuses da tecnologia.

O primeiro banho com o chuveiro novo foi catártico. Não pela limpeza dos detritos produzidos pelo corpo. Isso é importante, claro. Ou melhor, imprescindível. Não é disso que estou falando/escrevendo. O que considero significativo é a sensação de bem-estar, o realinhamento dos chakras, um conjunto de cânticos e louvores aos atos civilizatórios.

Uma lenda urbana afirma que os franceses não são muito amigos do banho – e que aperfeiçoaram a indústria da perfumaria para mascarar os odores naturais do corpo. Não tenho certeza se isso é verdade ou apenas um boato inconsequente. O que sei é que, em algumas regiões da Europa, o usual é tomar banho de banheira. É o meu sonho de consumo. Se, em futuro próximo, ganhar da loteria, quero ter banheira esmaltada, sais de banho, espumas coloridas. 

É um desejo infantil, talvez uma volta ao líquido amniótico. Não sou psicólogo para fornecer explicações coerentes para essas regressões aos primórdios da vida. Também não entendo quando algumas pessoas afirmam que tomar banho de banheira é uma forma de mergulhar na própria sujeira. Tento lembrar se alguém foi capaz de dizer essa bobagem em relação ao banho em piscina. Nada concluo, porque não há o que concluir.

Em hipótese hipster, deve ser interessante experimentar um ofurô (uma espécie muito peculiar de banheira japonesa). Preciso dessa aventura! 

Na elegia do banho (de chuveiro, de banheira) podemos adicionar três momentos terapêuticos do encontro humano com a natureza: os rios, o mar e a chuva. Mas, devido ao adiantado da hora, isso é assunto para outro momento.

 

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