Fui ao chão. Literalmente. Pisei onde não devia. Ou melhor, onde nada existia. O corpo, sem sustentação, desabou. Hematomas na cabeça e nos joelhos. Uma das lentes dos óculos riscada. Uma tarde sob observação na clínica médica. A tomografia confirmou o óbvio: vaso ruim não quebra. E isso tem antecedentes. Alguns anos atrás, encenei espetáculo similar, mas com resultado mais doloroso. Fissura em um dos metatarsos do pé direito. Dois meses engessado. Tortura chinesa (como se dizia em tempos que não voltam mais). Sobrevivi. E isso vale para o acidente do dia 06 de dezembro.
Enfim, estou me despedindo de 2024 como protagonista de uma imagem desagradável: sangue escorrendo pelo rosto, diversas pessoas desconhecidas me perguntando se eu estava bem, se poderiam me levar para o hospital, se estava sentindo alguma dor. Fiquei assustado, me levantei rapidamente e, cambaleante, fui para casa (que não fica longe do local da queda). Só fui procurar atendimento médico algum tempo depois.
A parte chata foi explicar para os familiares e para os curiosos o que aconteceu. Pensei em descrever – com detalhes escabrosos – os múltiplos ferimentos e a falência econômica resultante dos gastos com remédios, consulta oftalmológica, óculos novos. Contive-me. A vida não deve ser confundida com uma opereta do século XIX ou com a queda do Império Romano do Ocidente. Foi só um momento ridículo.
As marcas físicas do episódio estão desaparecendo. No máximo vão ficar cicatrizes quase imperceptíveis. Medalhas de guerra. As feridas emocionais estão sendo curadas lentamente com chá, biscoitos, sorvete e doces variados. Não sou muito exigente quando fico dodói.
O que importa dizer nestas alturas do campeonato é que não estou mais com idade para fazer acrobacias, adeus travessuras na trupe do Cirque du Soleil. É tarde para começar explorações espeleológicas. Também devo desistir da ideia de escalar o Himalaia (quiçá possa trocar pelo Aconcágua). Falta patrocinador... Brincadeira, me contento em passar alguns meses nas Ilhas Canárias ou em Dubrovnik. Isso se ganhar na loteria ou receber alguma herança (mais difícil do que acertar na mega sena). A vida real está distante dos desejos e o que deve acontecer nos próximos meses não difere muito dos últimos acontecimentos. Ou seja, poucas chances de alguma coisa mudar.
As alternativas possíveis para romper com a monotonia e evitar outro tombo são viajar pelas páginas dos livros ou pelas telas dos cinemas, mergulhar nas histórias em que é possível viver a vida inteira que podia ter sido e / que não foi, como escreveu Manuel Bandeira. Obviamente isso não basta, mas serve de aperitivo enquanto as maiores e melhores aventuras não se realizam.
Pelo horóscopo chinês, a Serpente de Madeira Yin (de 29 de janeiro de 2025 até 16 de fevereiro de 2026) determinará o destino de todos nós. Ou seja, é um ano para superar tempos difíceis e recomeçar com força e esperança. Um pouco de humor também não vai atrapalhar – e talvez ajude.
Sobre
passos em falso, tropeços e outras tragédias de igual valor, lembro da voz áspera
de minha mãe dizendo: se cair, do chão não passa.
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