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sábado, 22 de março de 2025

DOMESTICANDO A VIDA DOMÉSTICA

 

Olauro. Sem Título, 2023.
Exposição Coletiva Voo Livre
Galeria Lavandeira, UFPB


A lixeira do prédio foi o lugar mais longe que visitei naquele final de semana. Fiquei enclausurado no apartamento – por vontade própria. Deixar de lado a imensidão do mundo e estar comigo mesmo foi a proposta. Folga, fuga, evasão, trégua – não sei que nome se deve dar a esse momento. 

Exerci, pela manhã, as sagradas tarefas de dono de casa. Lavei a louça, uma pilha enorme, consequência do comer e beber durante os últimos dias. Sei que não devia ter deixado a sujeira tomar conta da pia. Pratos e talheres que não podem ser utilizados são uma espécie de insulto para os neuróticos por limpeza. No entanto, costumo ser tomado por um sentimento que sempre me pareceu qualidade: deixar para amanhã o que não quero resolver hoje. Em alguns momentos só lavo a louça quando a única alternativa disponível para continuar a baderna é comprar copos e pratos novos. Então, munido de pano de prato, esponja, detergente e coragem, vou à luta. E, milagre, naquela vez, não quebrei nada!

Aproveitei a disposição (não é todo dia!) e passei um pano molhado no chão da cozinha. Aquelas manchas fantasmas estavam lá de novo, a decorar o ambiente. Alguém me disse que é assim mesmo, ninguém consegue evitar, e que não é nada importante, apenas o resultado da fusão de um ponto de pó com a umidade. Parece haver lógica nessa tese, mas,... ¡No creo en brujas, pero que las hay, las hay!

Também fiz gelatina – framboesa. Quer dizer, era isso que estava escrito na caixa. Não descarto a hipótese das framboesas terem escapado antes da transformação em pó. Quando abri a geladeira, no dia seguinte, encontrei uma substância coloidal, de cor vermelha e sabor indefinido – que, como sempre, foi devorada vorazmente. Sim, eu sei, é difícil deixar de ser criança – inclusive estou planejando dar um passo além das minhas pernas: quero dominar a técnica de fazer gelatina colorida. Estou olhando uns tutoriais. Apesar das sacanagens (em diversos sentidos e direções), há coisas bacanas na Internet.   

Ainda sobre a limpeza do apartamento, deixei para trás uma tarefa importante: o micro-ondas. Esquentei um pedaço de carne e, como não tenho prática nesse tipo de atividade, provavelmente deveria ter usado algo que não usei, a gordura se espalhou pelo interior do aparelho. Toda vez que vou esquentar a água do chá, vejo aquilo e prometo limpeza completa, mas,... Aí, que preguiça!, exclama o Macunaíma que habita em mim! A solução neoliberal foi terceirizar essa atividade para a ilustre auxiliar para serviços domésticos.

No meio da tarde, fui tomado por fúria insana, parece que baixou em mim um santo escrevinhador. Escrevi quatro páginas sem precisar fazer esforço. Tinha que entregar o texto na semana seguinte e estava sem saber por onde começar. Felizmente, encontrei um tema e o encher linguiça ficou para outra ocasião, amanhã é outro dia. Evidentemente, vou ter que fazer o desbaste, acrescentar algumas coisas, cortar inúmeras frases e parágrafos e, como os deuses gregos recomendam, equilibrar o esqueleto narrativo. Com sorte e um pouco de magia, pode ser que fique aceitável. 

Depois, fui ver um pouco de televisão – que tem valor de um poderoso anestésico contra o estresse. Quer dizer, comigo funciona. Principalmente ser for alguma transmissão esportiva (exceção aos jogos do Santos). Basta olhar aquelas imagens durante alguns minutos e o sono surge quase imediatamente – como se fosse a boia de salvação do náufrago.  


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