Os avanços da modernidade tecnológica glorificam
a liberdade total, a experimentação sem limites e o consumo desenfreado.
Simultaneamente, esse “progresso” despreza quaisquer oportunidades em que a palavra não se apresente em público. Ou seja, as variações do eternamente simpático sim abrem as portas da percepção para o desconhecido e o novo (independente de que, em
muitos casos, aquilo que se apresenta como novo seja apenas uma fantasia – o
velho vestindo uma embalagem diferenciada e atraente transforma-se em novo).
Diante desse quadro histórico, para
alterar o sentido do que não parece ter sentido necessário se faz transitar
pelos caminhos da exceção. O filme chileno NO (dir. Pablo Larraín, 2012),
indicado ao Oscar 2013 na categoria Melhor filme estrangeiro, retrata um
desses momentos.
Baseado na peça teatral El Plebiscito,
de Antonio Skármeta (autor de O Carteiro e o Poeta), com roteiro de Pedro
Peirano, o filme se concentra em um episódio da história chilena. Depois de
quinze anos ditatoriais, pressionado pela comunidade internacional, o
General-Presidente Augusto Pinochet convocou um plebiscito,em 1988, para determinar
o futuro político do país. A população deve decidir se o seu mandato se
estenderá por mais oito anos ou se haverá eleições.
Durante cerca de um mês houve uma
disputada campanha televisiva. O programa da oposição foi coordenado pelo jovem
publicitário René Saavedra (Gael Garcia Bernal) – que precisa utilizar de extrema
criatividade para compensar a precariedade de recursos técnicos e o discurso da
vitimização ideológica. A campanha oficial, chefiada por “Lucho” Guzman
(Alfredo Castro), patrão de René na agência publicitária, conta com diversas
facilidades institucionais – e a “garantia” de que não perderá. O governo
militar ambiciona se perpetuar no poder.
René Saavedra sugere uma linha
publicitária diferenciada. Em lugar de denunciar as arbitrariedades, as sessões
de tortura e as centenas de desaparecidos (provavelmente mortos no cárcere)
sugere usar a leveza, o humor e, em certo sentido, o entretenimento. Quer
promover uma revolução silenciosa – sem derramar uma gota de sangue. Essa
ingenuidade política não leva em consideração os policiais rondando o estúdio de
gravações, as invasões de domicílio, as ameaças veladas e explícitas. Enfim,
omite a pressão psicológica e bélica que os milicos exercem contra aqueles que
ousam discordar da ditadura.
No entender de vários correligionários –
principalmente os mais velhos e influentes –, a campanha da oposição deveria
utilizar uma abordagem mais direta, mais agressiva, mais envolvida com quinze
anos de opressão política e social. Querem que não restem dúvidas sobre o que
sentem a respeito do horror tentacular do Estado. Exigem a denúncia pura e
sangrenta. Qualquer alternativa diferente significa cooperar com o jogo de
cartas marcadas que todos imaginam envolver o plebiscito.
A proposta de Saavedra – apesar da
acusação de anti-esquerdismo – recebe o apoio de José Tomás Urrutia (Luis
Gnecco), um dos mais influentes lideres da oposição. E isso é suficiente para que
parte da resistência interna diminua. No entanto, somente depois de muitas
edições do programa, e a constatação de que a estratégia está funcionando, é
que todos os partidos e facções políticas de oposição aderem de fato à
campanha.
NO, como muitas vezes ocorre em estruturas
híbridas, se utiliza de uma estratégia que agrega dinamismo e verossimilhança
ao enredo. Ou seja, preenche os espaços narrativos vazios com trechos de
documentários e notícias televisivas. De certa forma, nas entrelinhas, o filme sugere que tramas
subversivos necessitam de fórmulas inovadoras – ou que (nos padrões da
modernidade) pareçam ser revolucionárias quando conectam a carpintaria ficcional
à realidade que o filme ambiciona representar. Como disse alguém, cujo nome se
perdeu nas trevas do conhecimento, original é quem copia primeiro.
Apesar dos pesares e pensares, e um (in)certo cinismo nas cenas finais, quando o certo e o errado se confundem nas malhas da publicidade capitalista, NO é um bom filme
político - inclusive porque remete o olhar do espectador para o diferente, para o que poucas vezes interessa ver.
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