As revoluções começam com insatisfação e
terminam com frustração. Qualquer manual de política ensina essa verdade básica
– provavelmente com outras palavras. Exemplos não faltam. Basta escolher aquele
que melhor lhe aprouver. França, Rússia, Brasil (Independência, República,
Getúlio Vargas em 1930). Em determinado instante histórico, algum país ou região
oprimida inicia algum tipo de clamor público por mudanças. Segue-se um período turbulento,
onde ações e reações trocam tapas e promessas vazias. A situação inicial se
modifica, embora isso seja imperceptível para quem está envolvido na luta. No
estágio seguinte (apesar dos muitos cadáveres que apodrecem na planície – ou
por isso mesmo), o passado se perde, o presente se torna incerto e a loucura
costuma devorar o futuro. É nesse momento de confusão e indefinições que algum
oportunista toma conta da brincadeira e expulsa as outras crianças do parque de
diversões. O ciclo subversivo se completa, mas com interesses exponencialmente diferentes
daqueles que haviam sido idealizados. Cabe às viúvas da revolução derramar
lágrimas amargas por algo que nunca existiu ou que não deveria ter acontecido.
O inglês Julian Barnes escreveu um dos mais interessantes textos
alegóricos sobre os acontecimentos que ocorrem no período pós-revolucionário. Publicado em 1992 na Inglaterra e no Brasil em 1996, O Porco-espinho relata o julgamento político de Stoyo Petkanov.
– Atanas, eu gostaria que você fosse sério. Uma vez na vida.
– Pensei que fizesse parte das coisas, Vera.
– Parte de quê?
– Da liberdade. Liberdade de não ser sério. Jamais de novo, jamais, jamais, se não corresponder à sua vontade. Não será um direito meu ser frívolo pelo resto da vida, se é isso que eu quero?
– Atanas, você já era tão frívolo quanto agora antes das mudanças.
– Mas na época era um comportamento antissocial. Vandalismo. Agora é meu direito constitucional.
Depois que assumiu o poder, a nova classe política afastou todos aqueles que lhes podiam fazer sombra, controlou a inflação e instituiu uma ditadura socialista. Entre o terror e ações sub-reptícias conseguiram eliminar a oposição – inclusive diversos membros do governo. Durante 33 anos, a República se tornou sinônimo de um governo ditatorial.
O responsável por formular as acusações
contra Stoyo Petkanov, o procurador-geral Peter Solinsky, filho de um dos
homens que lutaram para que Petkanov assumisse o poder – e que, no tempo
adequado, foi expurgado – está tomado pelo furor moral. Quer fazer justiça.
Mais do que obter a punição, quer provar a culpa. Embora não saiba exatamente como
isso se tornará possível.
Esbanjando bom-humor, Petkanov aguarda o julgamento. Espadachim das sutilezas semânticas, sente indescritível prazer quando acerta diversos golpes em Stolinsky. Infelizmente, nenhum se mostra suficiente para causar dano. Ou novos ferimentos. O estreitamento ideológico funciona como couraça e anestésico. E isso significa que, independente do esforço para provar o ridículo da situação, Stolinsky conseguirá condená-lo. O Estado, repetindo a imagem protagonizada por Saturno, costuma devorar seus filhos mais amados. It's nothing personal, it's just business – como costumam dizer os cínicos.
Independente do que os livros de
História registram, o caráter de girondinos e jacobinos se confunde na palheta
de cores que a política utiliza para desenhar o horror. Enquanto, no proscênio, alguns atores valorizam um papel bem ensaiado, a equipe técnica esconde a
sujeira nos bastidores. O Porco-espinho conta – de maneira sutil, com ironia
e sarcasmo – parte da farsa em que bandidos e heróis revelam ser “farinha do
mesmo saco”.
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