Alcoolismo, drogas, loucura – há quem
diga que esse triunvirato de “virtudes”, acompanhado de inúmeros problemas com
a polícia, define o período áureo da história do jazz. A tese provavelmente não
está longe da verdade, embora, claro, isso jamais seja toda a “verdade”. De
qualquer forma, cabe ter em mente que Se o jazz apresenta um vínculo vital com
“a luta universal do homem moderno”, como poderiam os homens que o criam não
portar as cicatrizes dessa luta?
Narrativa refinada, Todo Aquele Jazz,
do inglês Geoff Dyer, atravessa as áreas nebulosas que separam a historiografia e
o ensaio literário, recria histórias de vários protagonistas do mundo jazzístico
e, de uma maneira especial, trava o combate heterodoxo entre acordes
e serenidade. Como se não bastasse, o livro rompe com alguns mitos musicais.
Talvez o mais importante seja a regra não escrita que separa a obra artística da
história pessoal. Navegando em águas perigosas, Geoff Dyer discorda desse dogma
e procura – mesmo que seja ficcionalmente – iluminar as áreas escuras da
essência jazzística: muito daquilo que constitui a grandeza do jazz se situa
além do limite da técnica; sobretudo quando, como todos os músicos concordam,
eles têm de pôr todo o seu ser no que estão tocando, quando a música depende da
vivência deles, do que eles têm a oferecer como pessoas.
Charles Mingus |
Muitas histórias, imagens
idiossincráticas, tempestades incontroláveis, paixão inesgotável: Lester Young
não conseguia resistir às drogas, a qualquer droga; a generosidade de Thelonious
Monk que, para não denunciar Bud Powell, cumpriu um ano de prisão; Ben Webster,
uma garrafa após a outra, mergulhava nas profundezas do inferno; Art Pepper
ressentido por ser branco; a fúria titânica de Charles Mingus e os estragos
absurdos que ele causou; a fragilidade psíquica de Bud Powell, semelhante a um
prato prestes a cair da mesa e se fragmentar em mil pedaços; o irresistível charme
de Chet Baker com as mulheres.
Chet Baker e Art Pepper |
Jazz pode ser apreciado em casa. Experiência
egoísta. As janelas fechadas (para que o som não fuja para a rua). O volume na
medida, nem muito baixo, nem muito alto – a boa musica não incomoda os
vizinhos. Uma taça de vinho ao alcance da mão (ou se for da preferência do
ouvinte, uísque). A emoção infiltrando-se na pele, arrepiando, enlevando os
sentidos e os sentimentos.
Duke Ellington |
Todo Aquele Jazz é um prazeroso passeio
musical – mimetizando os sons, estabelecendo harmonias e arranjos inovadores. Sem
pretensões historiográficas ou hagiográficas, o livro recupera ficcionalmente a
vida de alguns dos anti-heróis que definiram o que, modernamente, é chamado
jazz. Comprovação eficiente de que a existência se estabelece na construção de
outros acordes.
No posfácio, Tradição, influencia e
inovação, Geoff Dyer abandona a ficção e se concentra na teoria crítica.
Contrastando o passado e o presente, traça uma linha de desânimo. Sem muita
esperança no futuro do jazz, reverencia os anos 50 e 60: Comparado com as
outras formas de música existentes, o jazz é demasiado sofisticado para
tornar-se porta-voz da vivencia do gueto. O hip-hop faz isso melhor. Além
disso, mordaz, faz um comentário que coloca em xeque os hábitos culturais
contemporâneos: [atualmente] os músicos não precisam competir com um excesso
de conversa nas mesas para se fazerem ouvir, mas é frequente que boa parte da
plateia veja o jazz como fundo envolvente para um jantar de luxo.
Raul,
ResponderExcluirTenho propagado o livro que me indicou generosamente e, é claro, não o li ainda. Mas farei a leitura, sobretudo após esse aperitivo.
Prezado Raul, se não me engano, o músico que aparece na primeira foto logo abaixo da capa do livro é o Mingus, não o Monk... Parabéns pelo texto. Um abraço fraterno. Victor Farinha
ResponderExcluirVictor:
ExcluirTens razão! Já corrigi! Obrigado!
Que lindo! Indicação maravilhosa, já está na minha lista!
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