Administrador competente das configurações ficcionais,
Alejandro Zambra, em A Vida Privada das Árvores, conseguiu transformar uma
história banal de espera amorosa em literatura de primeira qualidade. Esse
pequeno milagre ocorre como consequência do uso mínimo dos elementos narrativos
e da linguagem de contenção.
A história desencontrada de Julián e
Verónica não está imersa no drama. É uma história de amor, nada muito especial:
duas pessoas constroem, com vontade e inocência, um mundo paralelo que,
naturalmente, bem rápido desmorona. Com humor sutil e carinhoso, o narrador
vai desenrolando o carretel narrativo. Julián espera pela volta da esposa – que
está (ou deveria estar) na aula de desenho. Enquanto isso não ocorre, tenta
fazer adormecer a enteada, Adriana (filha de Verónica e Fernando). Antes de dormir, a menina
gosta de ouvir algumas fábulas que ele inventa sobre baobás e álamos - árvores que, lado a lado, conversam sobre fotossíntese, esquilos, ou sobre as inúmeras vantagens de ser árvore e não pessoas ou animais.
Baobá |
Julian aproveita esse momento para
paralisar o tempo, para eliminar a angústia que envolve a ausência. Para instalar a imobilidade. Ou melhor, para elaborar a metáfora especular da literatura: o romance
que está escrevendo nos finais de semana, sobre um homem que tenta fazer sua
enteada dormir, enquanto espera pela mãe da menina, preenche um vazio somente
possível na vida de um homem que está sozinho, esperando por sua esposa.
Ao contrário de Vladimir e Estragon,
personagens beckettianos, que aguardam por alguém que nunca vai chegar, Julián
não carrega o pessimismo, não alimenta o niilismo. Em um cenário banal, comum, sem grandes surpresas, as falas de Julián propagam a esperança – embora não elimine os traços de melancolia: (...) era
sem compromisso, como deve ser: ama-se para deixar-se de amar e se deixa de
amar para começar a amar os outros, ou para ficar sozinho, por um tempo ou para
sempre.
Álamo |
Em dado momento, a descrição narrativa desloca
o foco e se concentra em Daniela. Sobre as possibilidades quando ela
ultrapassar a vida adolescente e já tiver namorados e uma vida adulta e, num
desses dias que somente são possíveis na vida daqueles que amamos, abrir o
romance que Julián escreveu. E o ler. E
tentar encontrar nas frases que Julián escreveu a história daquela noite em que
Julián lhe contou várias histórias sobre boabás e álamos, enquanto esperava
pela volta de Verónica.
Este é o dia seguinte, pensou, e fez o
café, e lavou o rosto com especial desvelo, esfregando-se várias vezes, como se
quisesse machucar-se ou apagar-se. Depois levou vários minutos construindo a
cenografia de uma noite normal: desarrumou os cobertores e os lençóis como se
ali tivessem dormido duas pessoas, voltou à cozinha e serviu duas xícaras de
café e bebeu uma e a metade da outra. Mastigou uma torrada e preparou um copo
de leite com chocolate para a menina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário