Páginas

terça-feira, 10 de setembro de 2013

PÉRICLES PRADE ALÉM DO REAL

A Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EDUFSC) está reeditando em volume único dois livros fundamentais da literatura catarinense, Os Milagres do Cão Jerônimo e Alçapão para Gigantes. Gêmeos em corpo e espírito, os vinte e sete contos (quinze do primeiro, doze do segundo) são ricos em imagens abruptas, extraídas a fórceps das entranhas do imaginário. 

Os Milagres do Cão Jerônimo foi publicado em 1971 e Alçapão para Gigantes em 1980. Outros tempos, outras idéias, a mesma falta de entendimento para com o mundo que nos cerca. Entre o passado e o presente, as noções de verossimilhança do leitor são colocadas em xeque. Poucas coisas fazem sentido ou possuem direção (mesmo quando trafegam na contramão). Engarrafamento, embaralhamento, confusão, o desencontro proposto pelo encanto e o horror. Ou, no entendimento de Mestre Lauro Junkes, em texto publicado em 1987, exercício de prosa que penetra, sem dúvida, além do real (daí o surreal – sub-real, abaixo e além do real).

Irreal flerte com a beleza, outro tipo de beleza, o insólito se tornando plausível através da palavra. A linguagem seduz, goza e glosa, lavra e lava, vulcão em erupção, emoção que não se contém, não contém, não conta os descontos que o capitalismo impõe a cada dia para cortar a folia, para ampliar a melancolia.

O volume único, mas dividido, relato da matéria literária em decomposição, trocando de posição e entendimento, proporciona variações da mesma história. Ou de histórias diferentes. Que, entre isso e aquilo e aquele outro, poucas vezes é possível refletir a multidão de enganos que disfarçam, em uma das narrativas, o diálogo, o afago e o afeto. Ubaldo, Hamms, Pisani, Rodrigo: nomes expostos na imensidão da página como se fossem personagens. Ou miragens.

Abelhas, cavalos alados, liturgias profanas, indizível felicidade, a morte espiando no lado oposto do espelho, a escuridão, o tapete na casa da prostituta, esfaquear o literário até atingir o prazer ou a liberdade – o que vier primeiro. Ou por último, para rir melhor. Com o coisa-ruim nos olhos. Espetáculos circenses, saltos de trapézio, palhaçadas, animais perigosos. Situações. Revelações. Revoluções. Subversão. Abrir as portas para o desconhecido, para as chamas da destruição. Poucos respeitam os sinais que emanam do Cão Jerônimo.

Incêndios. A repetição do mito de Sísifo na história do alçapão. Exaustão: técnica literária, armadilha, segredo que evita o erro, o acerto, o alvo, a seta e o arco. Marco na beira da estrada a nos indicar o vulnerável destino de um rato. Barato. Caro como a tristeza nos olhos do diabo. Claro como o couro de manchas selvagens do tigre. Ou a descoberta que o gigante se esconde sob o pseudônimo de Mirsânia, a estrategista. Ir adiante, nessa leitura viajante, sem destino, exuberante desatino, Alçapão para Gigantes.

Entre a prosa e a poesia, alegria. Ou, em outra tradução, talvez mais perfeita: Os Milagres do Cão Jerônimo e Alçapão para Gigantes.

Triunvirato poético: Ronald Augusto, Péricles Prade e Dennis Radünz
(Feira do Livro de Porto Alegre, 2009)



Nenhum comentário:

Postar um comentário