A Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EDUFSC) está reeditando em
volume único dois livros fundamentais da literatura catarinense, Os Milagres do
Cão Jerônimo e Alçapão para Gigantes. Gêmeos em corpo e espírito, os vinte e
sete contos (quinze do primeiro, doze do segundo) são ricos em imagens
abruptas, extraídas a fórceps das entranhas do imaginário.
Os Milagres do Cão Jerônimo foi
publicado em 1971 e Alçapão para Gigantes em 1980. Outros tempos, outras idéias,
a mesma falta de entendimento para com o mundo que nos cerca. Entre o passado e
o presente, as noções de verossimilhança do leitor são colocadas em xeque.
Poucas coisas fazem sentido ou possuem direção (mesmo quando trafegam na
contramão). Engarrafamento, embaralhamento, confusão, o desencontro proposto
pelo encanto e o horror. Ou, no entendimento de Mestre Lauro Junkes, em texto
publicado em 1987, exercício de prosa que penetra, sem dúvida, além do real
(daí o surreal – sub-real, abaixo e além do real).
Irreal flerte com a beleza, outro tipo
de beleza, o insólito se tornando plausível através da palavra. A linguagem seduz,
goza e glosa, lavra e lava, vulcão em erupção, emoção que não se contém, não
contém, não conta os descontos que o capitalismo impõe a cada dia para cortar a
folia, para ampliar a melancolia.
O volume único, mas dividido, relato da
matéria literária em decomposição, trocando de posição e entendimento, proporciona
variações da mesma história. Ou de histórias diferentes. Que, entre isso e
aquilo e aquele outro, poucas vezes é possível refletir a multidão de
enganos que disfarçam, em uma das narrativas, o diálogo, o afago e o afeto. Ubaldo,
Hamms, Pisani, Rodrigo: nomes expostos na imensidão da página como se fossem
personagens. Ou miragens.
Abelhas, cavalos alados, liturgias
profanas, indizível felicidade, a morte espiando no lado oposto do espelho, a
escuridão, o tapete na casa da prostituta, esfaquear o literário até atingir o
prazer ou a liberdade – o que vier primeiro. Ou por último, para rir melhor.
Com o coisa-ruim nos olhos. Espetáculos circenses, saltos de trapézio, palhaçadas,
animais perigosos. Situações. Revelações. Revoluções. Subversão. Abrir as
portas para o desconhecido, para as chamas da destruição. Poucos respeitam os sinais que emanam
do Cão Jerônimo.
Incêndios. A repetição do mito de Sísifo
na história do alçapão. Exaustão: técnica literária, armadilha, segredo que
evita o erro, o acerto, o alvo, a seta e o arco. Marco na beira da estrada a
nos indicar o vulnerável destino de um rato. Barato. Caro como a tristeza nos
olhos do diabo. Claro como o couro de manchas selvagens do tigre. Ou a
descoberta que o gigante se esconde sob o pseudônimo de Mirsânia, a estrategista.
Ir adiante, nessa leitura viajante, sem destino, exuberante desatino, Alçapão
para Gigantes.
Entre a prosa e a poesia, alegria. Ou,
em outra tradução, talvez mais perfeita: Os Milagres do Cão Jerônimo e Alçapão para Gigantes.
Triunvirato poético: Ronald Augusto, Péricles Prade e Dennis Radünz (Feira do Livro de Porto Alegre, 2009) |
Nenhum comentário:
Postar um comentário