A cidade está cansada de carregar o
passado. Bastou um piscar de olhos, menos de trinta anos, para que a herança
histórica fosse jogada na lata do lixo. A lembrança da aventura protagonizada por um bandeirante paulista, que
a inventou na imensidão do Planalto Catarinense, às margens do rio Carahá, não existe mais. Desapareceu –
como se fosse algo inútil, como se fosse possível trocá-la por uma mercadoria
mais charmosa, menos verdadeira. A vila cresceu, se expandiu. A
população triplicou. Todos os indivíduos se tornaram irreconhecíveis.
O conceito de vizinhança perdeu o sentido. E a direção. Como se tivesse caminhando na
contramão. Nem mesmo o gato preguiçoso – que dormia na varanda da casa na
periferia urbana – existe mais. A modernidade modificou a província.
Seguindo o exemplo das grandes
metrópoles, o mundo urbano regional se tornou exagerado, desproporcional, repleto
de sensações e tentações, dezenas de edifícios com mais de vinte andares, o aprisionamento
se expandindo em escala vertiginosa. Caixas abafadas, repletas de perigos, e
que não servem de abrigo. Viver nos confins do sertão, para o bem ou para o mal,
se transformou no risco de tropeçar em algum dos inumeráveis obstáculos que a
civilização tecnológica colocou no meio do caminho.
Expressões como "homi du céu", "djáoji", "trezantonte" e "bombiá" desapareceram. Não é mais possível ouvir as palavras que o lageano acentua tonicamente na última sílaba. O coloquial foi trocado pelo gerundismo empresarial.
Expressões como "homi du céu", "djáoji", "trezantonte" e "bombiá" desapareceram. Não é mais possível ouvir as palavras que o lageano acentua tonicamente na última sílaba. O coloquial foi trocado pelo gerundismo empresarial.
A pureza da água desapareceu. O ar está
poluído. Os automóveis estão engolindo as ruas. Esquecemos os pequenos prazeres
da vida. Por exemplo, andar descalço na grama. Ou visitar os familiares. Ou
namorar na praça. Ou fazer piquenique no campo. Ou comer pastel no final da
tarde. Os costumes mudaram, assim como os sabores. As dificuldades multiplicaram
– de forma assustadora. O silêncio se tornou incômodo.
Em outra época, parte do prazer de viver no interior de Santa Catarina estava em poder olhar para o horizonte, para esse espaço que separa a imensidão do chão, um azul que parece pintado à mão, uma brincadeira da natureza, o sol multiplicando as cores, as flores e as nuvens (que – com um pouco de imaginação – lembram diversas formas, quase um convite para brincar de adivinhação).
Unindo a nostalgia, a saudade, os amores
esfarelados, os parentes mortos, os amigos desaparecidos, as histórias que
vivemos (ou que imaginamos ter vivido) e que (como se fossem corroídas pelo
tempo e pela falta de afeto) se transformaram em “causo”, em folclore, em
ficção, sobrou a ilusão de que uma parte – uma pequena parte – dessa história
poderia ter sido diferente.