Levei quase três meses para começar a
leitura de A Culpa é das Estrelas, o best-seller escrito pelo estadunidense
John Green. Aliás, para ser sincero, nunca tive a intenção de lê-lo. Basta
olhar para a capa de um livro ou para uma daquelas listas dos mais vendidos
para perceber que alguns deles estão em uma faixa de temas ou de estruturas
narrativas opostas aos nossos interesses culturais e literários.
Gosto não se discute – dizem. Discordo.
A diversidade somente adquire visibilidade no mundo desigual em que vivemos quando
participa da discussão. Por isso, depois de superar vários preconceitos,
enfrentei a aventura. Abri o livro e comecei a leitura. Que quase abandonei – diversas vezes. Um dos
motivos que me impediu foi a curiosidade. Milhares de leitores adoram esse
livro. O que será que isso significa?
Uma história linear de amor entre adolescentes.
A menina, Hezel Grace Lancaster, 16 anos, tem um câncer terminal, que começou na
tireoide, quando ela tinha 13 anos, e migrou para os pulmões – ela precisa
carregar, para lá e para cá, um cilindro de oxigênio. O menino, Augustus (Gus)
Waters, 17 anos, tem um câncer ósseo (osteosarcoma) e uma perna amputada. Ela
adora um livro estranho, Uma Aflição Imperial, que mistura autoajuda e
filosofia de terceira categoria. Ele só se interessa por histórias similares ao
seu videogame favorito – O Preço do Alvorecer.
John Green é uma espécie de pop star da literatura |
Os dois haviam desistido de alimentar
planos de longo prazo antes de se conhecerem em uma sessão de terapia em grupo. Aliás,
sequer imaginavam projetos para a próxima semana. Ela, mergulhada em
autopiedade, reclamando da falta de misericórdia de Deus, espera pelo desfecho
inevitável. Ele, movido por sarcasmo e pela violência masculina dos jogos e
filmes, finge que está tudo bem.
O breve namoro, que não se caracteriza
exatamente por ser um namoro, parece ser uma adaptação contemporânea do mito Romeu
e Julieta. Sem tentar evitar a interminável
coleção de clichês sobre a perda e o luto, a narrativa se transforma no
registro romântico da dor. Livro ideal para quem gosta de chorar. E isso,
inegavelmente, caracteriza um dos seus inúmeros defeitos. Talvez o maior. A
manipulação dos sentimentos impede que o leitor possa ter uma visão critica do
fluxo narrativo. Ou se apaixona pelo casal ou abandona a leitura. Não há espaço
para o meio termo.
O ponto decisivo da narrativa se
concentra em uma cena fora de moda e que, possivelmente, seria sucesso em algum romance
de cavalaria. Ao descobrir que o seu câncer voltou de forma agressiva, Augustus
decide-se pelo gesto heroico. Recusa a internação hospitalar. Desiste do tratamento
médico. E convida Hazel para viajar até a Holanda. Quer visitar Peter Van
Houten, o autor de Uma Aflição Imperial.
Poster do filme, que será lançado em breve |
Sem suspeitar que o quase namorado esteja
planejando uma forma sofisticada de suicídio, ela aceita a viagem. Confirmando
a tese de que a melhor forma de se decepcionar com a literatura está em conhecer
o autor do livro, Peter Van Houten se mostra um alcoólatra mal-educado.
Esse choque de realidade resulta em algo
bom: o casal vai para a cama. De forma desajeitada, claro. As limitações
físicas impedem cenas fortes. Fofura total.
O desfecho se caracteriza por outra
tempestade de lágrimas. A exposição narrativa do enterro (e a compensação moral,
que surge com o arrependimento de Paul Van Houten) assusta a qualquer um que
conheça o mínimo de carpintaria literária. Faltam elipses, sobram descrições
sentimentais.
Terminei a leitura ligeiramente angustiado por não ter conseguido
descobrir motivos significativos para gostar de A Culpa é das Estrelas. Ok,
sou um insensível. Não encontrei a poesia que esse tipo de narrativa promete.
Falta-me paciência com livros deprimentes ou com a cultura cristã do
sofrimento. Acredito que a tristeza não nos muda, Hazel. Ela nos revela.
Revela que a procura pela alegria e pelo prazer não se
encontra no livro de John Green.
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