Se um olhar for capaz de definir tudo,
então dois momentos de dois dos personagens de As Sessões (The Sessions. Dir.
Ben Lewin, 2012), o padre Brendan e o atendente oriental do hotel, traduzem o
sentimento que toma conta do expectador logo depois que termina a projeção do
filme: espanto. Uma história como essa, repleta de bom humor, não parece ser
possível. E, no entanto, contra todos os prognósticos, recuperando a inocência
de quem se alimenta com sonhos, alguém a viveu – e nela foi feliz. Não é
pouco.
Baseado no artigo On seeing a sex
surrogate ("Consultando uma substituta sexual"), escrito por Mark O`Brien, As
Sessões conta a história de um homem que teve poliomielite na infância. Seu
corpo ficou paralisado. Quer dizer, partes de seu corpo não se movem. Outras
partes, bem... funcionam. E é esse o problema – ou a solução. Evidentemente, alguns
detalhes precisam ser equacionados antes. O mais importante é que, para
continuar vivendo, Mark (John Hawkes) precisa da ajuda de uma máquina. Fora do
“pulmão de aço”, ele consegue sobreviver apenas três horas. Essa limitação, além
da dependência de empregados como Rod (W. Earl Brown) e Vera (Moon Bloodgood), o
deveria destruir emocionalmente. Não é o caso. Parte da tragicomédia está conectada
com um fato insólito: como um bom descendente de irlandeses, Mark é católico.
Daqueles que vão à missa, se confessam e ambicionam um lugar no céu.
Na igreja, entra em cena um personagem
fundamental, o padre Brendan (William H. Macy). Que fica horrorizado ao descobrir
que um dos seus paroquianos, tetraplégico, 38 anos, quer fazer sexo. E, surpreendente,
pela primeira vez na vida. E, ridículo, fora do casamento. E, visível contrassenso, com
uma terapeuta sexual (que, na pobre imaginação do padre, talvez seja eufemismo
para prostituta). Mas, isso não é o mais terrível. Há coisas piores. Mark, sem
amigos e com pouca, quer dizer, sem nenhuma experiência no assunto, procura o
padre para pedir conselhos sobre o significado de perder a virgindade. A
incredibilidade toma conta da situação. O padre emudece. Ele também tem limitado conhecimento sobre o tema. E, mais importante, como é possível responder a esse
tipo de questão? Que Deus transite por misteriosos caminhos, tudo bem, mas será possível que seus servos mais devotos precisam superar as situações mais
absurdas para provar que possuem fé?
Sacerdotes menos liberais provavelmente
ameaçariam de excomunhão o herege que tivesse a ousadia de propor algo
remotamente parecido. Não é isso que acontece. Diante da imagem de Cristo, o
padre Brendon percebe que situações inusitadas exigem soluções
inusitadas. A união entre o sagrado e o profano serve de ponto de partida para
uma jornada de redenção. Essa é a melhor cena do filme. Inclusive porque a narrativa cinematográfica, ao mesmo
tempo em que reflete o olhar perplexo do padre, mostra que existem alternativas
para o despropósito. Go for it!, exclama, resignado, o padre (talvez
imaginando, por algum motivo alheio ao entendimento humano, que a “fornicação”
não se realizará).
Cheryl (Helen Hunt) especializou-se em
atender sexualmente deficientes físicos. Durante seis sessões, apenas seis,
procura satisfazer os desejos mais primários (ou secretos) de quem possui algum
tipo de limitação motora. Simultaneamente, de forma paradoxal, recusa qualquer
tipo de envolvimento emocional com os clientes. Quer manter sossegada a vida
que leva ao lado do marido e do filho adolescente.
As primeiras duas sessões ocorrem na
casa de uma amiga paraplégica. Rápidas e intensas. Muita ansiedade, pouca
diversão. A terceira quase não se realiza. Ocorre um desacerto de horários.
Surgem alternativas. Vera leva o casal até um hotel nas proximidades. No hall,
o atendente da portaria, ao ver o homem na maca e a loura, pergunta para Vera o
que está acontecendo. Vera explica que é um encontro sexual. O homem fica perturbado.
Não acredita. O seu rosto denuncia isso.
No quarto, Cheryl mostra para Mark o que
há de surpreendente na geografia corporal. Lugares que ele nunca visitou, experiências
avassaladoras – é isso que Mark conta para o Padre Brendan. Surpreendentemente,
confundindo o sacramento da confissão com alguma conversa masculina em mesa de
bar, o religioso sente prazer em saber que o amigo está sentindo prazer. E
gosta de ouvir os detalhes – que Mark não economiza.
Depois de quatro sessões, os encontros
terminam. O envolvimento afetivo estava acenando perigosamente na esquina. A
linha que separa a prudência da loucura poderia ser ultrapassada a qualquer
momento. Melhor evitar.
Em compensação, surgiram compensações.
Depois do primeiro passo, a sedução da caminhada. Até o dia de sua morte, Mark aproveitou
as delícias da vida – como se fosse um libertino do século XVIII.
Fugindo dos estereótipos da autoajuda,
do lacrimejar e da comiseração pelos horrores da vida, As
Sessões aposta na diversão. Excelente programa para as tardes de sábado. Principalmente
se estiver chovendo.
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