Há sempre um preço a pagar para quem
encontra a beleza enfrentando seus demônios, declara o narrador e protagonista
da novela A Maçã Envenenada, de Michel Laub. De forma implícita, ele está
avisando ao leitor que não há como resgatar em bons termos a fatura estética. A
perfeição plástica (seja lá o que isso for) custa caro – no caso de estar à
venda. Raramente está. De qualquer maneira, o novo texto de Laub não está relacionado
com a discussão de conceitos acadêmicos, mas sim como um evento artístico pode
interferir na vida de um personagem.
Em 1993, o grupo de rock Nirvana se
apresentou no estádio do Morumbi. Na mesma época, a estudante de engenharia
Immaculée Ilibagiza passou 90 dias escondida dentro de um banheiro, na
companhia de outras sete mulheres. Foi a maneira que encontrou para sobreviver,
quando eclodiu o genocídio que devastou Ruanda. O narrador e protagonista de A
Maçã Envenenada, nesse período, está cumprindo serviço militar (CPOR) e tem
uma namorada chamada Valéria.
Em abril de 1994, Kurt Cobain se
suicidou; Immaculée Ilibagiza percorreu o mundo ministrando palestras e
escrevendo em favor dos direitos humanos; e o inominado narrador e protagonista,
depois de um acidente de trânsito, está morando em Londres. Seguindo a regra geral dos brasileiros auto-exilados,
exerce diversas profissões, inclusive a venda de sanduíches em escritórios da
região de Covent Garden.
Entre um período e outro, o mundo desaba.
Pelo menos para quem está relatando todas as histórias. Sentindo prazer em misturar
uma serie de sentimentos pouco plausíveis e discussões baratas, o narrador e protagonista
faz de sua narrativa um muro de lamentações – ornamentado por lições
edificantes sobre as injustiças que corroem o mundo (a morte de Kurt Cobain, o desastre
político em África, o CPOR, o acidente de carro, a vida inteira que poderia
ter sido e que não foi) ou por perguntas que exigiriam a leitura de trezentos
volumes de filosofia para serem respondidas. Esse impasse narrativo, fundamental para o entendimento textual, respinga em
algumas gotas de autoficção, indicando a possibilidade de misturar a vida
pessoal do autor com a tessitura literária – crime que, se ocorreu, não está ao alcance do entendimento do leitor comum.
A Maçã Envenenada está dividido estruturalmente em
três partes e 101 pequenos capítulos – fragmentos de uma imagem maior e que
somente adquirem algum sentido quando visualizados como todo. Esse recurso funciona
de forma eficiente, embora seja uma prática corrente da literatura próxima do
minimalismo e que é, de uma forma ou de outra, praticada por Laub (ver, por exemplo, a carpintaria literária de O Segundo Tempo e O
Gato Diz Adeus).
De qualquer maneira, o estilo adotado
por Laub não é nenhuma novidade na literatura brasileira contemporânea. Contos
longos e novelas costumam ser promovidas à categoria de romance – como se
escrever um romance fosse constatação inequívoca do talento. A metáfora
proposta pelo título do último "romance” (119 páginas não são suficientes para caracterizar o gênero) de Michel Laub adquire alguma
substância quando se percebe a quantidade de agrotóxicos que alguns "escritores" estão utilizando para "salvar" a literatura brasileira. De qualquer forma, salvo
raríssimas exceções, o Brasil não dispõe de escritores capacitados para escrever
um texto mais extenso, com maior densidade dramática e literária.
P.S.2: Michel Laub publicou os "romances" Música
Anterior (2001), Longe da Água (2004), O Segundo Tempo (2006), O Gato Diz
Adeus (2009) e Diário da Queda (2011).
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