Luis Fernando Veríssimo é um mestre do
humor classe média. Seus textos se caracterizam pela erudição superficial, uma
citação aqui, outra acolá, perfumarias que – aparentemente – se mostram
suficientes para enganar os pares e os impares que o incensam – mesmo quando ele
comete erros colossais. Em Os Últimos Quartetos de Beethoven e Outros Contos, a frase inicial do texto O Expert comprova o argumento: O
Nabokov tem uma história parecida, mas sobre xadrez. Depois de ler o texto de Veríssimo,
quem conhece um mínimo de literatura percebe que houve grave confusão. Ou seja, ele confundiu Stefan Zweig com Vladimir Nabokov. O episódio do
prisioneiro que furta o livro de xadrez faz parte da Schachnovelle (no
Brasil, Xadrez, editado pela Nova Fronteira, 1993, páginas 133-134), escrita pelo mestre austríaco.
O russo também escreveu sobre o jogo, com destaque para a genial novela Zashchita Luzhina (no Brasil, A Defesa, publicado pela L&PM, 1986), mas,
que conste dos autos, ele não é o autor do texto que lhe foi atribuído!
Os Últimos Quartetos de Beethoven e Outros Contos é um
livro divertido, desses que unem na mesma confusão ingredientes tão importantes
como sexo, violência, morte, histórias de amor e de ódio (que muitas vezes são as
mesmas, salvo pequenas variações). Leitura ideal para um
dia na praia ou no final de tarde, em feriado. Sem compromisso com a seriedade ou
com algum conteúdo que não seja a leviandade lúdica, os dez contos que o integram
cumprem a sempre bem-vinda tarefa de aliviar as tensões, provocar gargalhadas, recriar
situações em que o leitor constata que o absurdo se faz presente na vida com
mais frequência do que possa imaginar a vã filosofia.
O conto inicial, O Pôster, coloca em
xeque os valores éticos diante de uma situação-limite. O que fazer diante da
possibilidade de ser promovido? Que escrúpulos desaparecerão? Como a história
humana (versão capitalista) se resume em estabelecer o preço dos objetos de
consumo...
A melancolia do conto homônimo ao título
do livro estabelece um pouco de seriedade. Mas, o quadro geral (submissão da
turma adolescente ao charme de Livia, o inevitável sanatório como desfecho) fornece motivo para sorrisos
amarelos, de canto de boca, a inevitável constatação de que a existência é ridícula
e tola. Esse mesmo sentimento está presente – com significativa intensidade – em A Mancha,
descrição contundente de um retorno ao passado opressor, a possibilidade de um
ex-preso político reconstruir uma página de sua história pessoal.
Literariamente, os melhores textos são Obsessão, Memórias e A Mulher que Caiu do Céu. No primeiro, um relato de violência doméstica, dessas somente possíveis entre marido e esposa, destaque para as duas frases finais, comprovação de que o ressentimento não diminui com o convívio familiar: A gente aguenta tudo, não é delegado, menos elas quererem saber mais
do que a gente. Arrogância intelectual, não. No segundo, os instantes finais
de homem que está sofrendo um enfarte, em que, além não lembrar onde está o
remédio que o pode salvar, mistura fatos tão desconexos como emplasto de Vik
Vaporub, o cheiro de loção de seu pai, figurinhas de bala e Gisela (Ah, a
Gisela!). O último gira em torno de uma fantasia bastante criativa. O anjo da
morte, em lugar de exercer suas funções profissionais, resolve – afetuosamente –
poupar o candidato a uma vaga no céu (ou no inferno). Com graça e humor,
Veríssimo desconstrói o mito religioso e realiza a sátira com a eficiência que
caracteriza parte significativa de seus textos.
Enfim, para que ninguém diga que não se falou de flores, Os Últimos Quartetos de Beethoven e Outros Contos é garantia de entretenimento. Para ler, rir e esquecer em alguma prateleira da estante.
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