O humor refinado da escocesa Muriel
Spark (1918-2006), por algum motivo de difícil entendimento, não conseguiu
seduzir os leitores brasileiros. Um de seus principais livros, A Primavera
da Srta. Jean Brodie, que retrata um dos um dos personagens de romance mais
amados da literatura inglesa do pós-guerra (na avaliação de James Wood, em Como Funciona a Ficção), continua praticamente desconhecido.
A narrativa ocorre em Edimburgo, entre
1931 e o início de 1939. E está centralizada nas relações complicadas, muitas
vezes confusas, entre a Senhorita Jean Brodie, professora da Escola Marcia
Blaine, e o seu entorno – o que inclui seis alunas (Monica, Rose, Eunice, Sandy,
Jenny e Mary) e os professores Gordon Lowther (música) e Teddy Lloyd (artes).
Todos os eventos estão interligados com
o mundo social da Senhorita Jean Brodie. Ocorrem na escola ou em suas
cercanias. Mesmo quando a professora convida as alunas para tomar chá ou quando
está passando o final de semana com Gordon Lowther, esses encontros ocorrem de
maneira rápida, superficial. Ou seja, por decisão do onisciente narrador em
terceira pessoa, o enfoque está na vida pública – a vida intima foi reduzida ao
mínimo indispensável.
Dêem-me uma jovem em idade impressionável
e ela será minha para sempre, afirma com a convicção de um jesuíta, a professora
Jean Brodie. Ansiosa por transformar todas as suas alunas em o crème de la
crème do mundo social, despreza o programa curricular. Em lugar de matemática
ou gramática, fala sobre a vida amorosa de Charlotte Brontë ou sobre os
pintores italianos. Em síntese, humaniza culturalmente o pedantismo escolar.
Obviamente, por diversos motivos, essa
quebra das regras, implica em discordâncias. A diretora Mackay, defensora intransigente
do ensino tradicional, mecânico e imutável, sempre que é possível, procura
descobrir algum "podre” de sua desafeta. Por mais que procure, nada encontra.
Além disso, adquire ciência de quanto é difícil tomar providências efetivas
contra uma professora carismática, que é amada por suas alunas. Talvez o que
mais aborreça a diretora seja suportar a imagem de boa educadora da Senhorita
Jean Brodie. As melhores alunas da Escola Marcia Blaine fazem parte do grupo
Brodie (com exceção de Mary Macgregor).
A todo instante, e em contextos
diferentes, a Senhorita Jean Brodie repete que eu estou na primavera de minha
vida. Com o auxílio dessa âncora psicológica, que lhe trouxe instinto e
perspicácia, garante às alunas que a juventude é um sinônimo de
eternidade. Para confirmar esse ligeiro descaso com o mundo ordeiro e seguro,
nas férias costuma visitar a Europa continental. Adora
a Itália e a Alemanha. No reinício das aulas, conta às alunas as novidades.
Ninguém percebe que esse é o seu ponto fraco. Exceto a sua aluna favorita, Sandy
Stranger – que, mais tarde, entraria para um convento.
Entremeado por várias considerações de
ordem comportamental, inclusive feminismo avant la lettre e as fantasias
sexuais dos adolescentes, o romance vai construindo um retrato lento e
assustador do ambiente escolar. Por espelhamento, também reflete as agitações
políticas que antecederam a II Guerra Mundial.
O inverno da vida da Senhorita Jean
Brodie inicia no dia em que Sandy conta para a diretora Mackay que a professora
admira os fascistas e os nazistas. Essa é a desculpa ideal para o pedido,
“voluntario”, de aposentadoria. Também marca o grau zero de separação entre a
confiança e a traição.
A Primavera da Srta. Jean Brodie é um
texto de alta qualidade, muito divertido, repleto de grandes “achados” e que
merece ser lido com atenção.
Maggie Smith recebeu o Oscar de melhor
atriz, em 1969, ao interpretar Jean Brodie, em A primavera de uma solteirona (The Prime of Miss Jean Brodie. Dir. Ronald Neame, 1969).
P. S: Em A Primavera da Srta. Jean Brodie ocorre
um fenômeno narrativo raro. Sem se controlar, o narrador faz algumas incursões
ao futuro, prognosticando o que acontecerá com as personagens, em situações que
não mais possuem importância para o tempo narrativo (prolepse externa, segundo
a classificação de Genette). Dessa forma, o texto está repleto de observações
como Mais tarde, quando se tornou famosa por sexo, suas qualidades extraordinariamente
sedutoras ou, em um exemplo mais agudo, Mary Macgregor (...) que mais tarde
se tornou famosa por ser estúpida e sempre levar a culpa e que, aos vinte e
três anos, perdeu a vida no incêndio de um hotel. São detalhes que fornecem um sabor especial ao texto, porque projetam uma exterioridade que a estrutura literária normalmente impede.
Essa proposta narrativa não teria vida longa
se A Primavera da Srta. Jean Brodie fosse apresentado para o julgamento de
algum editor contemporâneo. Provavelmente, em nome da comercialização, recomendaria o corte abrupto de
todas as incidências. Com a desculpa de que esse tipo de detalhes é completamente
dispensável à carpintaria narrativa, tornaria o texto mais "palatável" ao leitor.
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