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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

HISTÓRIAS DE PAI, MEMÓRIAS DE FILHO

O pessimismo contemporâneo foi desafiado pelo jornalista André Giusti – que reuniu, em Histórias de Pai, Memórias de Filho, algumas narrativas pessoais sobre os prazeres que acompanham a paternidade. Caminhando na direção contrária daqueles que consideram a família como um dos principais focos das desavenças sociais, não teve escrúpulos em se utilizar da prosa poética como alavanca para projetar os seus sentimentos mais íntimos. E isso significa que – descontados os compreensíveis excessos – preencheu o espaço da página em branco com doses maciças de saudades e toneladas de humor.

Ser pai é padecer no Paraíso? Definitivamente, não! De qualquer forma, Giusti se sente bem diante dessa possibilidade. Parte da justificativa está na sensação de que manteve um bom relacionamento com os seus pais, como deixa transparecer em “causos” como Dente Mole, O Mais Novo Grande Senhor do Tempo e Três Noites de Lua Cheia. São situações íntimas, recordações “menores” do passado – que, de uma forma ou de outra, se não fossem fixadas no papel, se perderiam no tempo.

Desse grupo de histórias, talvez as que mereçam um olhar mais demorado sejam outras. Em Por Vias das Dúvidas, o personagem-narrador traça uma metáfora complicada para mostrar que a existência está simbolizada pela porta aberta, um espaço mínimo, por onde mal passa o vento. Mas não é só isso. Nessa circunstância crucial, onde tantas coisas estão em jogo, e a poesia se faz presente nas recordações, pai e filho – de mãos dadas – lançam por vias das dúvidas (...) um último olhar para tudo. De certa forma, precisando carregar essa nostalgia pesada, a ausência dos pais surge em Judite e Pássaros como se fosse um ferimento que jamais irá cicatrizar. 

Para amenizar o ritmo narrativo, Giusti, em diversos momentos, desloca o narrador entre a primeira e a terceira pessoa. Essa estratégia também caracteriza uma tentativa de manter um mínimo de distância física com as mulheres que o rodeiam. Esforço em vão. A impossibilidade fica evidente em cada palavra que escreve sobre as filhas, a mãe, a esposa.    

Entre as perdas e o presente, há um universo de histórias, algumas protagonizadas pelo autor (A Vida é Linda, Carlos Alberto), outras centralizadas nas três filhas. São fragmentos delicados, engraçados, repletos de ternura. E, que, de uma forma ou de outra, multiplicam a intensidade da vida. Ciente de que a paternidade é um pouco mais do superar a fase das perguntas ou os exercícios de lógica que estão acima da coerência proposta pelos pais (Toca Raul), ele descobre que pelo menos para alguém, alguma coisa nele é mais forte que o resto do mundo. É recompensa suficiente.

Seja na primeira vez em que foi pai (A Primeira Noite de um Homem), seja no momento em que, na festa de aniversário da filha, não recebeu o reconhecimento que acreditava merecido (Show de Mágica), o narrador derrama um oceano de lágrimas nas páginas de Histórias de Pai, Memórias de Filho – comprovação mais que elementar de que a paternidade é uma das emoções mais significativas da história humana.

TRECHOS ESCOLHIDOS 


Hora do Rush 

Um dia ela ainda perdia o medo de que as irmãs mais velhas debochassem dela, e perguntava onde estavam, afinal, as garrafas daquele tal engarrafamento que o pai todo dia falava.
 

Desconstruindo princesas (2) 

– “... e então o príncipe desceu correndo a escadaria para ver se alcançava aquela desconhecida, e encontrou o sapatinho que ela perdeu...”

Parou a história, olhou para as filhas.

– E aí, pai? Continua!

Só que lhe sobreveio um tédio brutal daquela banalidade contada há séculos.

– ... e então o príncipe cheirou o sapatinho da desconhecida e falou: putz, que chulé que essa mina tem! Vou atrás dela não! Tá doido!

Levou com as almofadas na cabeça.    

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