A crítica literária é uma atividade intelectual
difícil. Requer imaginação, talento e muito conhecimento (específico e geral).
Quem lê um livro e escreve 500 palavras, elogiando-o ou jogando-o na lata de
lixo mais próxima, está escrevendo uma resenha ou se divertindo. Isso está ao
alcance de qualquer um (qualquer um!). A crítica literária deve (deveria,
deverá) levar a discussão para outro nível. Conduz (conduziu, conduzirá) ao
amadurecimento intelectual. Do crítico e/ou do
leitor.
Toda vez que alguém lê um texto, por
exemplo, de Antonio Candido, Roberto Schwarz, Silviano Santiago, Luiz Costa Lima ou Leyla
Perrone-Moisés, para ficarmos nos brasileiros mais significativos, descontadas as idiossincrasias e antipatias afetivas, há aprendizado.
Eles, os críticos, sempre conseguem ver algo que faz a diferença, que escapou ao olhar comum. E esse compartilhamento da experiência intelectual ilumina a leitura com tamanha intensidade que motiva outras leituras, outros diálogos.
Ao mesmo tempo, a crítica literária é o reino
dos estraga-prazeres. Alguns profissionais dessa “arte” gozam (sexualmente?) quando assumem
a persona daqueles sujeitos que, em um espetáculo de mágica, denunciam a fraude
do artista. Ou seja, revelam os mecanismos que possibilitam a realização dos
truques. E, como ninguém pode negar, a literatura está repleta de
prestidigitação, de macetes, de fórmulas prontas. Semelhante a muitas questões
sociais, resta saber se o leitor quer continuar crédulo ou se quer destruir as
ilusões.
Como Funciona a Ficção, livro escrito pelo
inglês James Wood, está no lado negro da força. Sem muitos escrúpulos, Wood
não se furta em usar a linguagem mais impactante para mostrar o que a ficção não é
uma brincadeira de faz-de-conta. Talvez seja por isso que escreveu um texto que
não está destinado ao leitor de romances de entretenimento. Seu público-alvo é
outro: profissionais da crítica literária, professores de Teoria da Literatura,
além de todos aqueles que acreditam que os livros compõem uma porção
da grandeza do mundo.
Partindo de temas complicados como personagens,
narradores, metáforas e foco narrativo, Wood vai tecendo uma rede de
informações muito instrutivas, pedagógicas. Mas que precisam de um mínimo de conhecimento básico para serem entendidas. Saber o quê e do quê ele está escrevendo é a diferença entre o inferno e o paraíso. Quem não leu Uma Casa para o Sr. Biswas (V. S. Naipaul) ou Educação Sentimental (Gustave Flaubert), para ficar com dois casos básicos que ele menciona, provavelmente terá dificuldades para perceber a extensão das teses defendidas pelo teórico inglês.
Um momento importante do livro está no capítulo em que discorda frontalmente do lugar
ocupado no enredo por personagens planos e esféricos (de acordo com a célebre
classificação proposta por E. M. Forster, em Aspectos do Romance, 1927). Wood estabelece
um novo referencial de análise. Não é a tipologia (ou o “acabamento”
descritivo) que determina a importância do personagem. Tampouco personagens
são construções literárias que precisam, necessariamente, espelhar o “real”. Embora isso pareça simples,
poucos percebem a obviedade. Parte deste embotamento intelectual talvez
esteja relacionado com o pacto ficcional (acordo tácito – e artificial – que
o leitor estabelece com o texto ao iniciar a leitura. Alguma coisa semelhante
como: eu aceito que o lobo fale, mas exijo que ele me divirta).
Nesse aspecto, a discussão no capítulo final
sobre a validade do realismo como referencial para a literatura contemporânea
constitui uma lição de grande valor teórico. Qualquer indivíduo que tenha como
pretensão trafegar pela literatura, precisa lembrar que (...) o escritor tem
de agir como se os métodos literários disponíveis estivessem constantemente à
beira de se transformar em meras convenções, e por isso ele precisa tentar
vencer esse inevitável envelhecimento. O verdadeiro escritor, aquele livre
servidor da vida, precisa sempre agir como se a vida fosse uma categoria mais
além de qualquer coisa já captada pelo romance, como se a própria vida sempre
estivesse à beira de se tornar convencional.
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