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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O FILHO DE MACHADO DE ASSIS

Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), considerado como a figura mais emblemática da literatura brasileira, costuma ser transformado em protagonista em diversas narrativas contemporâneas. Faz parte do show (embora seja difícil saber se isso é bônus ou ônus). Basta lembrar, entre outros, Memorial do Fim (1991), de Haroldo Maranhão, Por Onde Andará Machado de Assis? (2004), de Ayrton Marcondes, e Machado (2016), de Silviano Santiago.

A novela O Filho de Machado de Assis, escrita por Luiz Vilela, pretende (na medida do possível) centrar as luzes dos holofotes literários em uma dos muitas versões historiográficas que margeiam a vida do “Bruxo do Cosme Velho”. Tentando desmentir a famosa frase que encerra Memórias Póstumas de Brás Cubas (– Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria), muitos ficcionistas (disfarçados de historiadores) imaginam as possibilidades que justificariam a tese de que o DNA do célebre escritor não foi extinto. Entre tantas maluquices, não falta quem atribua duvidosa paternidade ao Mário de Alencar, que poderia ser o fruto de uma “ligação perigosa” entre Joaquim Maria e Georgiana Augusta, esposa de José de Alencar. Como, até o momento, ninguém conseguiu provar nada, as versões continuam adquirindo consistência.

Luiz Vilela
A proposta da narrativa escrita por Luiz Vilela parte de outra hipótese – embora similar. O professor de literatura Simão (Bacamarte?), em conversa com Telêmaco (mais conhecido como “Mac”), o seu discípulo favorito, relata uma descoberta. Durante uma pesquisa que estava fazendo na Biblioteca Nacional, entre as páginas de inúmeros livros e revistas, Simão encontrou... Encontrou algo que, se comprovado, poderia mudar a biografia de Machado de Assis. A possibilidade de conjunção carnal, uma aventura da mocidade, do futuro Presidente da Academia Brasileira de Letras com uma negra teria gerado um descendente:

“Pois é. Negro da cor de azeviche. E esse – se não estou errado em minhas análises –, esse foi o principal motivo de ter o Machado ocultado, quem sabe até renegado por toda a vida, o filho.”


Descartada a discussão sobre o embranquecer de Machado de Assis (uma questão notória – e pouco glamorosa – na biografia do escritor), a ideia apresentada por Simão parece estar assentada em areia movediça. Sem acrescentar um único fato relevante, praticando a nobre arte da dissimulação, do uso das reticências e ambiguidades, o professor vai enrolando. São 105 páginas de muito blábláblá e nenhuma ação. O aluno queria estar na praia, na companhia da namorada, mas precisa ficar ali, no escritório de Simão, ouvindo a suave música do delírio.

Joaquim Maria Machado de Assis
As páginas finais da novela completam o ciclo do previsível. Depois que os dois homens se despedem, o aluno parte em uma viagem longa. Quando regressa, descobre que o Mestre faleceu.

A novidade, o filho de Machado, também foi enterrada. Como se nunca tivesse existido.

O Filho de Machado de Assis é um livro divertido, porém inócuo. A melhor lição que o leitor obtém quando termina a leitura é que, nos bons livros, não basta a habilidade de produzir diálogos de qualidade. É necessário mais. Muito mais. O livro de Luiz Vilela fica devendo.


TRECHO ESCOLHIDO


Toda conversa tem os seus pontos mortos, e havíamos chegado a um deles, com os dois de repente calados.

Essa hora um passarinho começou a cantar na árvore em frente à janela, nos chamando a atenção.

“É uma cotovia?”, perguntou o professor.

“Acho que é um sabiá, professor; mas como não sou otorrino...”

“Ornitólogo”, ele disse.

“Isso”, eu disse, “ornitólogo. Foi um ato falho. É que eu estava pensando aqui no otorrino que eu vou ter de consultar para a minha alergia...”

Uma mentira nunca fica só nela, já disse alguém. Se não disse, digo eu aqui agora...

“Ninguém”, disse meio de repente o professor, “ninguém pode estar tranquilo em suas certezas. Ainda mais no que se chama ‘verdade histórica’.”

“Por quê, professor?”, eu perguntei.

“Acha-se que uma coisa é verdadeira”, ele continuou, sem me responder, “e de repente sai um velho do fundo de uma biblioteca mais velha ainda e: ‘Ei, pessoal, não é nada disso que vocês pensavam; a história é bem diferente!’”

Eu ri. 

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