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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CLXVI)

 


A lixeira do prédio foi o lugar mais longe que visitei ontem. Fiquei enclausurado no apartamento. Exerci, pela manhã, as sagradas tarefas de dono de casa.

Lavei a louça dos últimos dias, uma pilha enorme, consequência do comer e beber durante três dias. Sei que não devia ter deixado a sujeira tomar conta da cozinha. Pratos e talheres que não podem ser utilizados são uma espécie de insulto para os neuróticos por limpeza. No entanto, nesse intervalo, fui tomado por um sentimento que sempre me pareceu qualidade: deixar para amanhã o que não quero resolver hoje. Só fiz alguma coisa quando a única alternativa disponível para continuar a baderna era comprar pratos e copos novos. Percebi que tinha ultrapassado a barreira do bom senso. Então, munido de pano de prato, esponja, detergente e coragem, fui à luta.

Aproveitei a disposição (não é todo dia!) e passei um pano molhado no chão da cozinha. Aquelas manchas fantasmas estavam lá de novo, a decorar o ambiente. Alguém me disse que é assim mesmo, ninguém consegue evitar, e que não é nada importante, apenas o resultado da fusão de um ponto de pó com a umidade. Parece haver lógica nessa tese, mas,... ¡No creo en brujas, pero que las hay, las hay!

Também fiz gelatina – morango. Quer dizer, era isso que estava escrito na caixa. Não descarto a hipótese dos morangos terem fugido antes de ser transformados em pó. Quando abri a geladeira, no dia seguinte, encontrei uma substância coloidal, de cor vermelha e sabor indefinido, mas que, como sempre, foi devorado vorazmente. Sim, eu sei, é difícil deixar de ser criança – inclusive estou planejando dar um passo além das minhas pernas: quero dominar a técnica de fazer gelatina colorida. Estou olhando uns tutoriais. Apesar das sacanagens (em diversos sentidos e direções), há coisas bacanas na Internet.   

Ainda sobre a limpeza do apartamento, deixei para trás duas tarefas importantes: o banheiro e o micro-ondas. Amanhã ou depois, resolvo essas pendências, com certa prioridade para o segundo item: andei esquentando uma carne e, como não tenho prática nesse tipo de atividade, provavelmente deveria ter usado algo que não usei, a gordura se espalhou pelo interior do aparelho. Toda vez que vou esquentar a água do chá, vejo aquilo e prometo que vou limpar, mas,... Aí, que preguiça!, exclama o Macunaíma que habita em mim!

No meio da tarde, fui tomado por fúria insana, parece que baixou em mim um santo escrevinhador. Escrevi quatro páginas sem precisar fazer esforço. Tenho que entregar o texto na próxima semana e estava sem parpite, como se costuma dizer no Planalto Catarinense. Ainda vou ter que acrescentar muitas coisas, refazer frases e parágrafos e equilibrar o esqueleto narrativo. Com sorte e um pouco de mágica, pode ser que fique aceitável. 

Terminei o dia revendo alguns episódios de Big Bang Theory, que considero uma espécie de anestésico contra o estresse. Quer dizer, comigo funciona. Mas, como é de conhecimento mundial, esse tipo de medicação não tem efeito positivo em gente mal-humorada. Dependendo do caso, a rejeição atinge índices similares a um tsunami. Fazer o quê? Algumas pessoas não sabem se divertir.  


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