Ficar vários anos sem ler Rubem Fonseca ajuda
a afastar a sombra dos contos e romances que ele escreveu no século passado. A distância,
entre tantas vantagens, possibilita espaço para construir uma nova perspectiva
crítica. Diante de um dos escritores fundamentais da história da literatura
brasileira contemporânea, quais são as chances do leitor se decepcionar com o autor
dos contos que constituem Lucia McCartney (1967), Feliz Ano Velho (1975) ou O Cobrador (1979), entre tantos outros livros?
A resposta surge sem nenhuma dificuldade:
basta ler o último livro, Amálgama, publicado em 2013. O Mestre, assim mesmo,
em maiúsculas, aos 88 anos, perdeu a noção de que deve se aposentar – imediatamente.
Ninguém o avisou que livros desastrosos colocam em perigo reputações que
pareciam estar acima do bem e do mal. Com aspectos de comida requentada, sem
gosto, sem tempero, os 34 textos que integram Amálgama encontram no adjetivo
ruim uma definição natural. Alguns dos “contos”, se considerarmos que conto é
tudo aquilo que chamamos conto, como defendia Mário de Andrade, não passam de esboços
mal feitos, desses que parecem ter sido feitos por algum principiante
literário. O leitor, comprovando o quanto é triste a decadência, precisa
superar o desconforto de ler narrativas mal construídas, patéticas, risíveis.
Em outras palavras, é inadmissível
aceitar que textos como Noite, Conto de Amor, Poema da Vida, Na Hora de
Morrer, O Espreitador, O Matador de Corretores, Crianças e Velhos, entre
outros, levem a assinatura de Rubem Fonseca. Ao abrir o livro e encontrar tanta
porcaria, cabe a pergunta: será que ele nunca mais conseguirá alcançar a força
de histórias como Feliz Ano Velho, O Cobrador, Passeio Noturno (I e II)?
Ao mesmo tempo, alguns desses arremedos,
que levam a griffe Rubem Fonseca, apresentam
características distintivas do autor. A obsessão pelas explicações
desnecessárias (típicas da arrogância intelectual) e a violência sem sentido se
repetem com insuportável constância. O mesmo se pode dizer do gosto duvidoso
por lamentos misóginos, mutilações e anomalias físicas. Em todos os personagens
falta densidade psicológica. Parecem gravuras recortadas de alguma revista e
que foram coladas uma ao lado da outra, compondo um painel sem unidade ou
coerência.
Alguns dos textos foram agrupados como
se fossem poemas. A poesia é outra coisa, muito diferente do empilhar uma frase
em cima de outra. Considerar que textos como Sopa de Pedra, Restos, Sentir
e Entender, Lembranças e Sem Tesão possuem (mínima) qualidade poética equivale
a jogar a literatura brasileira na lata de lixo.
Os poucos “contos” que se salvam (Segredos
e Mentiras, Decisão, Best-seller) não valem muito. Ou melhor, parecem exprimir o
conceito básico do último texto: foda-se.
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