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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

QUARENTA E CINCO FRASES SOBRE O JORNALISMO


– As pessoas não param de confundir com noticias o que leem nos jornais. (A. J. Liebling)

– Um jornal é um instrumento incapaz de discernir entre uma queda de bicicleta e o colapso da civilização. (George Bernard Shaw)

– O jornalismo consiste basicamente em dizer “Lord Jones morreu”, para pessoas que nunca souberam que Lord Jones estava vivo. (G. K. Chesterton)

– O jornalismo é uma catapulta imensa, posta em movimento por ódios mesquinhos. (Honoré de Balzac)

– Sair na primeira página ou na página trinta depende do medo que eles têm de você. (Richard Nixon)

– Os jornais são arquivos de futilidades. (Voltaire)

– Jornalista é uma pessoa que errou a sua vocação. (Otto von Bismarck)

– Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados. (Millôr Fernandes)

– Não há perguntas embaraçosas – só respostas embaraçosas. (Carl Rowan)

– Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data. (Luis Fernando Verissimo)

– Considero como uma das felicidades de minha vida não escrever nos jornais; isto faz mal ao meu bolso, mas faz bem à minha consciência. (Gustave Flaubert)

– Os jornais excitam sempre a curiosidade. Ninguém larga nenhum jornal sem uma sensação de desapontamento. (Charles Lamb)

– Eu, quando vejo um ou dois assuntos puxarem para si todo o cobertor da atenção pública, deixando os outros ao relento, dá-me vontade de os meter nos bastidores, trazendo à cena tão somente a arraia-miúda, as pobres ocorrências de nada, a velha anedota, o sopapo casual, o furto, a facada anônima, a estatística mortuária, as tentativas de suicídio, o cocheiro que foge, o noticiário, em suma. (Machado de Assis)

– Primeiro, apure os fatos. Depois, pode distorcê-los à vontade. (Mark Twain)

– Assim que o jornal se apropria de uma notícia, os fatos se perdem para sempre – até para os protagonistas. (Norman Mailer)

– O jornalismo é forte e poderoso não pelo bem que ele faz, mas pelo mal que pode fazer. (Ibrahim Sued)

 – Por que a imprensa continua tão respeitada? É a única indústria que não dá garantias pelos produtos que vende – ficam obsoletos em menos de 24 horas. (Millôr Fernandes)

– Jornalista não é aquele que toca na banda, é o que vê a banda passar. (Joel Silveira)

– Quando se descobriu que informação era um negócio, a verdade deixou de ser importante. (Ryszard Kapuscinski)

– O jornal é uma tenda, na qual se vendem ao público as palavras da cor que se deseja. (Honoré de Balzac)

– Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade. (George Orwell)

– Todo dia de manhã abrimos o jornal e vemos mortes violentas, desastres espantosos, ameaças apocalípticas, epidemias sem conta, novas guerras, crises gigantescas, destruição e perigo em toda parte. E tem gente que ainda diz que não se diverte. (Millôr Fernandes)

– Jornalista é peixinho de aquário: colorido e faz gracinhas. O escritor é o peixe de mar profundo. O sol não entra, mas ele tem o oceano todo. (Carlos Heitor Cony)

– Uma calunia na imprensa é como a relva num belo prado: cresce por si mesma. (Victor Hugo)

– No jornalismo, não há fibrose. O tecido atingido pela calúnia não se regenera. As feridas abertas pela difamação não cicatrizam. A retratação nunca tem o mesmo espaço das acusações. (Felipe Pena)

– Os jornalistas dizem uma coisa que sabem não ser verdadeira, na esperança de que se a disserem durante bastante tempo ela acabará sendo. (Arnold Bennett)

– Os jornais, que deveriam ser os educadores do público, nada mais são que cortesões dele, quando não suas cortesãs. (Jules D’Aurevilly)

– Não foi o mundo que piorou. As coberturas jornalísticas é que melhoraram muito. (G. K. Chesterton)

– Um editor de jornal é alguém que separa o trigo do joio – e imprime o joio. (Adlai Stevenson)

– Sou a favor da imprensa livre. O que não suporto são os jornais (Tom Stoppard)

– Quanto ao jornalismo atual, não o defendo. Ele justifica a sua própria existência pelo princípio darwiniano da sobrevivência do mais vulgar. (Oscar Wilde)

– Os jornais têm mais ou menos a mesma relação com a vida que as cartomantes com a metafísica. (Karl Kraus)

– Chamo jornalismo a tudo que não será menos interessante amanhã do que hoje. (André Gide)

– Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as acções – mesmo as boas. (Eça de Queiroz)

– Desde que minha foto esteja na primeira página, não quero saber o que escreveram sobre mim na página 96. (Mick Jagger)

– Detesto quando jornalista insinua que escrevo alguma coisa para ter audiência. É claro que escrevo, sou pago para isso. Mas falam como se fosse pecado. (Gilberto Braga)

– O jornalista atribui a si mesmo uma missão, e essa missão tem notáveis semelhanças com uma operação de guerra: trata-se de conquistar audiências, bombardear com notícias num tempo precioso e milimetricamente calculado. O jornalista está acima do acontecimento como se o evento fosse um alvo preciso. O acontecimento é a presa dessa aranha que é o repórter, nessa teia noticiosa que dá a volta ao planeta. (Mia Couto)

– Os jornalistas são trabalhadores manuais, os operários da palavra. O jornalismo só pode ser literatura quando é apaixonado. (Marguerite Duras)

– A ética deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro. (Gabriel Garcia Márquez)

– A diferença entre a literatura e o jornalismo é que o jornalismo é ilegível e a literatura não é lida. (Oscar Wilde)

– Jornalismo e literatura são irmãos gêmeos que nasceram muito diferentes e que hoje são mais parecidos do que nunca. (Zuenir Ventura)

– Em qualquer roda é fácil reconhecer um jornalista: é o que está falando mal do jornalismo. (Millôr Fernandes)

– Um correspondente estrangeiro é um sujeito que vive de hotel em hotel e pensa que o mais importante sobre qualquer coisa que esteja acontecendo naquele país é o fato de que ele chegou para cobri-la. (Tom Stoppard)

– Há muito a ser dito em favor do jornalismo atual. Ao nos oferecer as opiniões dos incultos, nos mantém em contato com a ignorância coletiva. Ao relatar cuidadosamente os eventos corriqueiros da vida contemporânea, nos mostra que eles realmente não têm a menor importância. (Oscar Wilde)

– Benditos os que nunca leem jornais, porque verão a Natureza e, através dela, Deus. (Henry Thoreau)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

SR. SHERLOCK HOLMES

Eu tinha um pouco mais de dez anos quando li, pela primeira vez, parte das aventuras de Sherlock Homes. A Biblioteca Pública de Lages (SC) ainda tem alguns daqueles exemplares de capa vermelha que serviram para produzir em mim um pouco da emoção alienante que somente os romances de aventura conseguem gerar. Talvez seja por isso que eu gostei tanto daqueles livros. A possibilidade de “fugir” das complicações familiares e da incompetência dos professores que me torturavam naquele tempo era, na falta de melhor expressão, o equivalente ao ganhar na loteria. Primeiro prêmio.

Essas lembranças se tornaram mais vívidas ao assistir uma produção da BBC Films, Sr. Sherlock Homes (Mr. Holmes. Dir. Bill Condon, 2015), baseado no livro A Slight Trick of Mind, de Mitch Cullin. Diante das imagens do filme, fui tomado por uma vontade incontrolável de voltar a ler as aventuras do célebre detetive, escritas por Sir Arthur Conan Doyle. Como não tenho cópia de nenhum dos livros, nem mesmo de O Cão dos Baskervilles ou Um Estudo em Vermelho, clássicos absolutos, descobri que a distância entre a infância e a maturidade pode ser medida por esse tipo de “acidente”.

O filme, que segue o esquema uma história dentro de outra história, relata a velhice de Sherlock (interpretado magistralmente pelo magistral Ian McKellen). Aos 93 anos, inconformado com a crescente perda da memória, logo depois de voltar de uma viagem ao Japão, Sherlock encontra em Roger Munro (Milo Parker), o filho da governanta (Laura Linney), um incentivo para recuperar os fatos que o fizeram se aposentar, 25 anos antes. As lembranças voltam lentamente. Anotando tudo o que recorda (e que é diferente da versão ficcional, produzida, muitos anos antes, por John Watson), mostra ao menino o que vai escrevendo. A cumplicidade se estabelece. Roger, curioso, quer saber o que aconteceu. Sherlock, esperançoso, quer recuperar o que esqueceu.

Aos poucos, o bloqueio psicológico vai sendo rompido. As informações que Sherlock considerava perdidas estavam escondidas dentro da mente. Ele havia construído um cofre-forte no inconsciente. Em seguida, trancou lá dentro os fatos traumáticos e jogou fora a chave. Atingir essa área nebulosa da mente e trazer à tona o material sublimado causa dor. Durante muitos anos ele evitou esse tormento.

Sr. Sherlock Homes, que se caracteriza por uma estrutura especular (infância x velhice, lembrança x esquecimento, honestidade x vida social), atinge o seu ápice com uma metáfora pouco usual: o contraste entre bees (abelhas) e wasps (vespas). No mundo animal (e, por extensão, no mundo humano), algumas espécies são inimigas naturais de outras. Confundir estas com aquelas pode ser fatal. Por isso, antes de qualquer atividade, cabe saber quais são os limites possíveis.

Sr. Sherlock Holmes, ao contrário daquelas adaptações hollywoodianas horríveis (com Robert Downey Jr. e Jude Law), que desvirtuam o personagem de Arthur Conan Doyle, transformando-o em uma espécie de Rambo londrino, propõe um caminho mais suave. Também não compactua com a série britânica, Sherlock (com Benedict Cumberbatch e Martin Freeman nos papéis principais), que usa e abusa do poder dedutivo do morador de 221B Baker Street. 

Se fosse possível adjetivar corretamente Sr. Sherlock Holmes (e não o é!), então poderia se evocar um conto zen-budista, onde a delicadeza e a inteligência se encontram, e, de mãos dadas, caminham na direção da luz. 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

MARACANAZO

O futuro da equipe espanhola, na Copa do Mundo de futebol, em 2014, foi determinado na partida contra os chilenos. Depois de ter perdido para Holanda (5 x 1), Espanha precisava de um bom resultado contra a ex-colônia. Os gols de Vargas e Aránguiz transformaram o Maracanã no cemitério da seleção campeã de 2010. Só restou engolir o orgulho, abaixar a cabeça e voltar para casa (a vitória contra a Austrália – 3 x 0 – não teve a mínima importância). Ficar em terceiro, em um grupo de quatro equipes, com apenas três pontos, caracterizou um dos momentos mais vergonhosos da história futebolística de Espanha. 

Nesse cenário improvável para desenvolver uma narrativa de desencontro amoroso, Arthur Dapieve promoveu a complicada intersecção entre literatura e futebol. A história de Victor e Violeta (evocando as figuras míticas de Victor Jara e Violeta Parra) constitui o pano de fundo para dissecar a tempestade que cada ser humano carrega dentro de si. Mas, não é somente isso. Há outros ingredientes. O passado político dos dois países – e, consequentemente, dos dois personagens – revela que as diversas camadas de violência não podem ser superadas pelo resultado de uma partida de futebol. O breve momento de glória em que aquele que foi oprimido supera o opressor constitui uma insignificante vitória em uma guerra perdida. Ganhar uma partida de futebol não apaga a História, não reduz a violência dos colonizadores, não recupera o que foi roubado, não elimina milhares de mortes.

Arthur Dapieve
No dia 18 de junho de 2014, Victor está sentado em uma cadeira do Maracanã, esperando o inicio da partida contra o Chile. Na companhia de Guillermo e Juan Pablo, ele ainda tem esperanças de que a seleção de Espanha se recupere no campeonato. Em dado momento, os acontecimentos em campo perdem a importância quando a câmera do telão do estádio focaliza o local onde eles estão. Ao lado dos espanhóis estão três garotas, duas brasileiras e uma chilena. A última, tentando fugir da câmera, beija Victor. Esse é o estopim que deflagra uma série de eventos pouco usuais e que somente terminam na manhã seguinte, quando o homem e a mulher se separam – para nunca mais se encontrarem.

Essa é uma síntese do enredo de Maracanazo, o mais extenso dos cinco contos que compõem o livro homônimo. As outras narrativas se desenvolvem em ritmos e temas bastante diferentes. Tempo Ruim descreve uma situação inusitada, tendo como protagonistas dois surfistas. Fragmento da Paisagem, através do relato histórico, se concentra em um concerto em Viena, Áustria, antes da Segunda Guerra Mundial. Enquanto as pessoas ouvem a música de Mahler, o mundo se transforma – e jamais será como antes. Inverno, 1968, que havia sido publicado anteriormente na coletânea Contos para Ler Ouvindo Música (Org. Miguel Sanches Neto, 2005), trata de um ensaio da banda Pink Floyd, e focaliza um dos episódios mais estranhos da história do rock. Bloqueio, por sua vez, narra as dificuldades de um cadeirante nas ruas do Rio de Janeiro.

Sergio Busquets, depois da derrota para o Chile
O fio umbilical que une os cinco contos de Maracanazo e Outras Histórias transcende o nome do autor, expresso na capa do livro. Embora o futebol e a música agrupem parte do livro, o que importa está em outro diapasão. Em cada uma das narrativas, escritas em tempos cronológicos distintos, a mistura de masculinidade e violência gera vários tipos de traumas e cicatrizes. Independente do discurso edulcorado dos livros de autoajuda, nenhum indivíduo consegue escapar incólume na contemporaneidade. Não há remédios ou panaceias capazes de diminuir a dor constante.


TRECHO ESCOLHIDO


(...) Sinto fome, fome demais para caminhar uma distância que já não lembro qual é. Entro numa lanchonete. Como um sanduíche de queijo quente feito num pão de forma. Bebo um suco de laranja. Há outras pessoas falando espanhol no balcão, mas pelo sotaque metálico são argentinos. Evito qualquer confraternização idiomática. Eles também olham de lado para a minha camiseta. Cornos.

Em frente à loja de sucos há uma banca de jornal, com exemplares dos diários locais pendurados do lado de fora e cobertos por um plástico transparente que os protege da chuva fina. Eu me aproximo, ainda com o suco e o sanduíche na mão. Num dos jornais, sob a foto de um grupo de chilenos presos pela invasão à sala de imprensa do Maracanã, está um manchete em português que não tenho dificuldades em decifrar: “Copa acaba mais cedo para a Espanha e 88 chilenos”. Abaixo da manchete, há outra foto, de Busquets ajoelhado, com as mãos no rosto, e a bola lhe ocultando a cabeça. Catalão de merda. Belo retrato de uma derrota. Ao lado da foto, há um título discreto: “O rei também sai de cena”. Deus, que manhã. Dou a última mordida no sanduíche. Passa um negro brasileiro sorridente, empurrando uma bicicleta. Ele me olha e grita:

– Chile!

Com a boca cheia, não consigo manda-lo se foder, e ele se afasta com um sorriso largo no rosto. Que filho da puta! Entro novamente na lanchonete em busca de uma lata de lixo para descartar o guardanapo e o copo de papel. Só então eu me vejo no espelho atrás do balcão. Não estou usando minha camiseta da Espanha. Visto a camiseta chilena do irmão da menina que dizia se chamar Violeta. Na pressa de fugir de nossa vergonha, trocamos camisetas, como fazem jogadores ao final de uma partida. 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

OS ABRAÇOS PERDIDOS

Há uma visível escassez de narrativas longas em Santa Catarina. A grande maioria dos escritores atuantes nesse pedaço de terra espremido entre Paraná, Rio Grande do Sul, Argentina e o oceano Atlântico concentram suas energias no conto e na poesia. As narrativas longas vivem do passado, como comprovam os nomes de Guido Wilmar Sassi, Miro Morais, Adolfo Boos Júnior, Holdemar de Menezes, Ricardo Hoffmann e Lausimar Laus. Os livros que eles escreveram estão se transformando em relíquias arqueológicas ou em teses acadêmicas (que no es lo mismo / pero es igual). Em contrapartida, na primeira oportunidade, uma quantidade significativa de romancistas vivos (ou mais vivos), deixaram SC e foram morar em outros estados – onde, rapidamente, obtiveram reconhecimento intelectual. Basta citar Edla van Steen, Cristóvão Tezza, Deonísio da Silva, Donaldo Schüler, Godofredo de Oliveira Neto e Alex Sens, como casos exemplares.

Há milhares de explicações para esse fenômeno. Todas irrelevantes. Todas incapazes de justificar a falta de comprometimento catarinense com a literatura – inclusive naqueles momentos em que muitos escritores juram amor eterno pela cultura barriga-verde. A hipocrisia é uma qualidade subestimada. Dizem.

A novela Os Abraços Perdidos, de João Chiodini, publicado em 2015, de uma forma ou de outra, navega na contracorrente. Diante do mundo capitalista (fragmentário e dispersivo), voraz em consumir os “enlatados” que são oferecidos nas prateleiras das livrarias, permanecer em Santa Catarina e publicar um texto, qualquer texto, constitui um ato de resistência literária. É como se dissesse: meu livro quer se insurgir contra a apatia intelectual. A pretensão também é um valor subestimado.

O enredo da novela se estende por 121 páginas de lavação de roupa suja em público. A história que (des)une Antônio Carlos e Pedro, pai e filho, assusta. E por vários motivos. Poucos leitores se sentem à vontade ao ler um tratado sobre o ressentimento filial. Raros são aqueles que encontram prazer na exposição nua e crua, promovida pelo filho de um alcoólatra violento (indivíduo que não perde nenhuma oportunidade de criar um inferno familiar particular). Além disso, a narrativa não está mediada por algum tipo de distanciamento objetivo e emocional. Os fatos (no passado e no presente narrativo) são tratados a ferro e fogo – como se fossem agressões pessoais ao narrador. Essa maneira maniqueísta de expor o “mal” impede que o pai possa emitir qualquer tipo de defesa – caso o comportamento autodestrutivo de Antônio Carlos mereça algum tipo de defesa.

Pedro, ao dizer que Antônio Carlos jamais seria aquele pai desejado que nunca tive, se baseia em uma figura paterna ideal, sem falhas, sem vícios. Uma impossibilidade. E que está reverberada na história paralela oferecida pela narrativa. A namorada de Pedro fica grávida. Ele se desespera com a ideia. A perspectiva do horror opressor renascer – desta vez tendo ele, Pedro, como agente ativo – o assusta. Todos os seus atos, neste episódio, são pela supressão da vida. Independente da correção desse proceder, o que se destaca é o medo crescente de se transformar em uma versão (ainda mais) repugnante de Antônio Carlos.

No plano teórico, Os Abraços Perdidos usa de narradores múltiplos. Em primeiro plano, Pedro, narrador-personagem, alterna o texto em dois níveis narrativos (o passado e o presente, a infância e a vida adulta – que caminham paralelamente). Secundariamente, há um narrador inominado, em terceira pessoa, que articula os elementos que não foram contemplados de maneira direta. O uso desse recurso narrativo, dividindo as responsabilidades na exposição do enredo, possibilita que o texto se desenvolva com fluência e que não fique preso a parcialidade dos relatos em primeira pessoa.

Infelizmente, as diversas qualidades do livro não compensam a ausência de uma boa revisão editorial (que cortaria inúmeras cenas e deixaria o texto com mais densidade e um pouco menos discursivo). Mais é menos. Basta ver, como exemplo, as semelhanças que existem entre três cenas:

– Pedro, você sabe que é a única pessoa em quem confio nesse mundo.

– Boa noite, pai.

Não quis responde àquela afirmação. Não era verdade. Estávamos distantes um do outro. Eu não neguei ajuda para ele, me senti na obrigação de cumprir o papel de filho. Éramos dois estranhos. (p. 58-59)


No final da sessão, Giovanna, a psicóloga dele, perguntou-o:

– Antônio, e para o Pedro, o senhor tem algo a dizer?

– Sim. Obrigado por sua ajuda, meu filho. Eu te amo muito.

– Eu que agradeço por sua mudança, pai. Eu também te amo muito.

Acho que ambos estávamos mentindo. (p. 90)


– Que bom. Sabe, Pedro, eu te amo muito.

– Eu também te amo muito, pai.

Ele sorriu. Eu sorri.

Ambos continuaremos mentindo. (p. 121)


Não há motivo literário que justifique esse tipo de redundância. Principalmente em um texto tão curto como Os Abraços Perdidos. Qualquer editor com um mínimo de visão também desbastaria outros trechos, inclusive o da compra do remédio abortivo. Parece ser um caso típico de “encher linguiça”. Uma elipse, utilizando duas ou três frases, resumiria o episódio e daria mais dinamismo ao texto.

Os Abraços Perdidos acena com um futuro promissor para João Chiodini. Principalmente se ele optar por diminuir a fúria e o ódio e se concentrar nas sutilezas sempre necessárias às narrativas.


P.S.: O diretor de cinema argentino Daniel Burman, um especialista na discussão das relações familiares, principalmente os conflitos entre pais e filhos, dirigiu um filme quase homônimo ao livro de João Chiodini: El Abrazo Partido (O Abraço Partido, 2004). Além do tema principal ser bastante diferente (o pai vai embora para Israel e deixa o filho com a mãe, somente retornando vários anos depois), no filme de Burman, há leveza, humor e menos drama. No filme seguinte, de 2006, Derecho de Família (no Brasil, As Leis de Família), Burman consegue mostrar que o antagonismo filial e paterno pode, aos poucos, se transformar em amor.