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quarta-feira, 26 de junho de 2013

TRINTA E UMA FRASES SOBRE A POESIA

– Prosa: palavras na sua melhor ordem; poesia: as melhores palavras na melhor ordem. (Samuel Coleridge)

– A poesia não voltará a ritmar a ação; ela passará a antecipá-la. (Arthur Rimbaud) 

– Um grão de poesia basta para perfumar todo um século. (José Marti)


– A verdadeira poesia mantém distância da insensibilidade e do sentimentalismo. (Hugo von Hofmannsthal)

– A poesia não é, nem pode ser lógica.  A raiz da poesia está exatamente no absurdo. (José Hidalgo)

– A poesia é tudo o que há de mais intimo em tudo. (Vitor Hugo)

– Todo homem saudável consegue passar dois dias sem comer – sem a poesia, jamais. (Charles Baudelaire)

– Todas as coisas têm o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas. (Federico Garcia Lorca)

A arte apenas faz versos, só o coração é poeta. (André Chénier)

– A poesia é a linguagem natural de todos os cultos. (Madame de Stael)

– A poesia é algo tão intimo que não pode ser definida. (Jorge Luis Borges)

– O meu poema é a resposta da alma ao apelo do universo. (Rabimdranath Tagore)

– Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam. (T. S. Eliot)

– Nunca se deveria falar de poema moral ou imoral: os poemas são bem escritos ou mal escritos, e isto é tudo. (Oscar Wilde)

– À pergunta habitual: Por que você escreve?, a resposta do poeta será sempre a mais curta: Para viver melhor. (Saint-John Perse)

– Fazer poesia é confessar-se. (Friedrich Klopstock)

– A poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem. (Pablo Neruda)

– A poesia em uma obra é aquilo que faz aparecer o invisível. (Nathalie Sarraute)

– O poema não é feito dessas letras que eu espeto como pregos, mas do espaço vazio que fica na página. (Paul Claudel)

– A poesia, como o cristal, deveria tornar a vida mais bonita e menos real. (Oscar Wilde)


– Se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo. (John Keats)

– A poesia é, ao mesmo tempo, um esconderijo e um alto-falante. (Nadine Gordimer)

– A poesia é a impressão de estar sempre em contato com a morte. (Heinrich Boll)

– As palavras do poeta volteiam incessantemente em redor das portas do paraíso e batem implorando a imortalidade. (Johann Goethe)

– O poeta é assim: tem, para a dor e o tédio, / um refúgio tranquilo, um suave remédio. (Machado de Assis)

– Fazer poesia é como fazer amor: nunca se saberá se a própria alegria é compartilhada. (Cesare Pavese)

– Nunca ninguém foi um grande poeta sem ter sido, ao mesmo tempo, um grande filósofo. (Samuel Coleridge)

– Todos os grandes poetas se tornam naturalmente, fatalmente, críticos. (Charles Baudelaire)

– Tenho certeza de que a poesia é indispensável, mas não me pergunte por quê. (Jean Cocteau)

– Um poema só é bom enquanto não sabemos quem foi que o escreveu. (Karl Kraus)

 A poesia é uma religião sem esperança. (Jean Cocteau)


segunda-feira, 24 de junho de 2013

BONSAI

Bonsai retrata uma história similar a tantas outras. Uma história de amor que termina mal. Como convém a todas as narrativas que envolvem, em porção desmedida, paixão e decepção. Ou que sonham em retratar a monumental opressão sentimental que se desfaz em fragmentos, desencontros, quimeras e falsos juramentos.

Bonsai: haicai romanceado. A concisão descritiva. Densidade de diamante lapidado. Pedra translúcida como água da fonte ou a esperança de encontrar o horizonte. A linguagem economizando forças e sentimentos. Amarga poesia, versos pronunciados à revelia, muito distante do que se queria. Explosão estética, eclética, sintética. 

Bonsai equivale a um susto. Descobrir que o amor e a felicidade não combinam. Estão de lado opostos. Fazem apostas diferentes. Como se estivessem falando línguas estrangeiras. A incompreensão perpassando cada momento. Preenchendo a vida com mágoas terríveis, suplícios mitológicos, tormentos intermináveis.

Bonsai: conjurar a carne, ignorando as necessidades do espírito. As substâncias que compõem o desejo se volatizam em rot(in)as desgastantes, f(r)ases equivocadas, toneladas de enganos. Demandas difusas, confusas, obtusas.

Bonsai: eu te amo é a mentira mais doce que um homem pode pronunciar diante de uma mulher, eu te amo é a mentira mais deliciosa que uma mulher pode sussurrar em frente a um homem. Triste constatação de que o amor não é justo. Hoje ou daqui a um lustro. A consciência de que tudo tem um fim. A tragédia anunciando que a paixão tem prazo de validade. Assim como a saudade.   

Bonsai: a vida conjugal não é frugal, não é fast food. Alegria que confunde. Desgaste emocional diário. Um pedaço da vida amputado. Apesar da ânsia de desfrutar intensamente esse instante, em todos os instantes. Viver a dois agora. Depois, nunca.

Bonsai revela a circunstância em que o bambu se curva à força do vento. Mostra que a paixão se curva à força do lamento. Lágrimas e sofrimento. Como nos melhores romances do século XIX. Aqueles que – espalhados pela cama desarrumada por Julio e Emilia – ampliaram a excitação, forneceram estímulos para acrobacias sexuais e beijos carinhosos. Em Gustave Flaubert, Anton Tchekhov e Marcel Proust estão anunciadas, de uma forma ou de outra, as farsas amorosas encenadas no século XXI. Fugir da solidão, procurar pela ilusão.

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O chileno Alejandro Zambra possui meia dúzia (ou um pouco mais) de admiradores no Brasil. Deveria ter mais. Muito mais. Considerado pela revista inglesa Granta como um dos melhores escritores de língua espanhola nascidos após 1975, escreveu três romances até o momento. Dois foram publicados no Brasil: A Vida Privada das Árvores e Bonsai (Prêmio do Conselho Nacional do Livro do Chile, 2006).  Além disso, no mínimo dois de seus contos foram traduzidos para o português: Fantasia (revista Piauí nº 71, agosto de 2012) e Jeitos de Voltar para Casa (Granta em português, nº 7, dedicada aos Melhores Escritores em Espanhol).

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TRECHO ESCOLHIDO 


No final ela morre e ele fica sozinho, ainda que na verdade ele já tivesse ficado sozinho muitos anos antes da morte dela, de Emilia. Digamos que ela se chama ou se chamava Emilia e que ele se chama, se chamava e continua se chamando Julio. Julio e Emilia. No final, Emilia morre e Julio não morre, o resto é literatura:


 A primeira noite que dormiram juntos foi por acaso. Ia ter prova de Sintaxe Espanhola II, matéria que nenhum dos dois dominava, mas como eram jovens e teoricamente estavam dispostos a tudo, estavam dispostos até a estudar Sintaxe Espanhola II na casa das gêmeas Vergara. O grupo de estudos acabou sendo bem mais numeroso do que o previsto: alguém colocou música, dizendo que costumava estudar com música, outro trouxe vodca, argumentando que era difícil se concentrar sem vodca, e um terceiro foi comprar laranjas, porque não suportava tomar vodca sem suco de laranja. Às três da manhã, completamente bêbados, resolveram ir dormir. Embora Julio preferisse passar a noite com uma das irmãs Vergara, resignou-se rapidamente a dividir o quarto de empregada com Emilia.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

GASTÓN DE ORLÉANS E ISABEL DE BRAGANÇA

Biografias são formas literárias que espelham o prazer de manipular o “real”. Sem constrangimento ou arrependimento. 

A vida adora imitar a ficção – e a ficção costuma fazer o mesmo com a vida. Aliás, nessa areia movediça, nada é impossível: falsificar documentos, omitir situações vergonhosas, edulcorar ações e circunstancias, inventar heroísmos. A imagem “perfeita” do biografado supera os escrúpulos e se mistura com a lenda. Ou seja, a verdade histórica difere da verdade concreta. Por isso, cabe ressaltar que a ingenuidade é uma hipótese intelectual inaceitável. História para boi dormir.

Em O Castelo de Papel, ensaio biográfico sobre a vida conjugal da Princesa Isabel de Bragança e de Gastón d’Orléans (Conde D’Eu), confiante que bajulação pouca é bobagem, a historiadora Mary del Priore, ignorando a inteligência dos leitores, não mede esforços para propor uma versão romântica do casamento real.

Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston d'Orléans et Saxe-Cobourg et Gotha, Conde D’Eu, neto do deposto rei de França, Louis Philipe I, e filho de Louis Charles Philippe Raphael d'Orléans, Duque de Nemours, parecia destinado a ser um zé-ninguém na aristocracia européia. A sorte mudou quando o Imperador Dom Pedro II iniciou as tratativas para encontrar esposos para as filhas mais velhas. Queria para a herdeira do Trono, Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, alguém que fosse esquivo, calado, doméstico, inútil, sem opinião e sem temperamento forte. Para Leopoldina Teresa Francisca Carolina Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, as exigências eram mais modestas. Depois que alguns candidatos declinaram da honra, Gastón e seu primo Ludwig August Maria Eudes von Sachsen-Coburg und Gotha (Gusty) embarcaram para os confins do mundo para conhecer a herdeira do trono e sua irmã. Ou melhor, o negócio nº 1 e o negócio nº 2 – forma “gentil” com que o Duque de Nemours tratava as princesas nas cartas que enviou ao filho. Chegaram ao Brasil no dia 02 de setembro de 1864.

Família real brasileira
Além dos horrores da viagem e da pobreza do castelo real, os rapazes tiveram uma surpresa bastante desagradável quando encontraram as futuras esposas: elas eram feias. Para os padrões da nobreza europeia, horríveis.

Os casais se formaram por imposição do Imperador. Aconselhado por Luisa Margarida de Barros Portugal, a Condessa de Barral (que foi, durante muitos anos, sua amante), preferiu Gastón como consorte real. Gusty reclamou um pouco, mas foi só para manter as aparências. 

Isabel e Gastón
O casamento de Gastón e Isabel se realizou em 15 de outubro de 1864. E o resto da história se parece com roteiro de cinema hollywoodiano. Salvo a dificuldade de Isabel engravidar nos primeiros anos, a versão proposta por Mary del Priore sugere um casamento feliz, desses em que os interesses escusos se transformam em amor – ou algo parecido.

Mary del Priore, em diversos momentos de O Castelo de Papel, sem a mínima cerimônia, exclui questões essenciais para entender a história do Império brasileiro. Por exemplo, para não macular a tese da felicidade conjugal, aceita como provas incontestes de alguns episódios da vida privada do casal herdeiro do Império a correspondência ativa e passiva da Condessa de Barral e alguns jornais da época. Qualquer aluno de História sabe que esse tipo de documento não merece muito crédito. Interesses velados se confundem com objetivos escusos. A nobreza europeia e brasileira era pouco nobre quando a meta social estava escorada no manter as aparências.

Dissimulada, Mary del Priore preenche os espaços vazios com suposições e literatura. O exemplo mais significativo aparece na série de elogios que tece à participação de Gastón de Orléans na Guerra do Paraguai. Quem procurar por informações sobre a selvageria sangrenta que manchou a História Sul-Americana constatará que Julio José Chiavenatto discorda do heroísmo do Conde D’Eu. Em Genocídio Americano – a Guerra do Paraguai (livro que não consta das referencias bibliográficas), afirma que Gastón de Orléans foi um criminoso de guerra. Entre outras atrocidades, após substituir o Marquês (futuro Duque) de Caxias como comandante das tropas brasileiras, mandou incendiar o hospital de Peribebuy – todos os enfermos, velhos e crianças, morreram queimados. O hospital em chamas ficou cercado pelas tropas brasileiras que, cumprindo ordens desse louco príncipe louro, empurravam à ponta de baionetas para dentro das chamas os enfermos que milagrosamente tentavam sair da fogueira, relata Chiavenatto.

Nenhum comentário sobre esse episódio. Ou sobre outros que possam manchar a reputação do casal imperial. Quer dizer, quase isso. Enquanto a princesa Isabel recebe vários rótulos pejorativos (pouco preparada para suceder o Imperador, indecisa, carola) e há vários comentários sobre a decadência física e mental do Imperador, o "francês" é incensado por ser um diplomata e por assumir uma posição discreta diante das reviravoltas da política brasileira. Também recebe elogios por ser abolicionista. Enfim, um cavalheiro que sabe o seu lugar. Na saúde e na doença, na vida e na morte. Tanto que, com a queda do Império, acompanhou sua digníssima esposa ao exílio. Grande sacrifício familiar. Voltou para Europa, voltou para a família européia. Na versão ficcional de Mary Del Priore, deixou para trás um país selvagem que sempre o tratou mal.

Talvez o grande lapso dessa biografia seja a ausência de informações sobre o que aconteceu com a família real depois da Proclamação da República. São cerca de 30 anos resumidos em 20 páginas (Isabel morreu em 1921 e Gastón em 1922).

Enfim, O Castelo de Papel não convence como biografia. Nem como ficção. 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A MORTE DO PAI, VERSÃO NORUEGUESA


Exemplares de A Morte do Pai, primeiro volume dos seis que constituem a série autobiográfica Minha Luta, do norueguês Karl Ove Knausgård, estavam expostos na vitrine da livraria.

Inevitável catálogo de dúvidas geográficas e literárias. Noruega? Quem escreve na Noruega? Ao lado da pergunta indigesta, a resposta trivial: difícil lembrar daqueles nomes com muitas consoantes e poucas vogais que caracterizam os escritores nascidos na Escandinávia. Menos de cinco minutos na Internet revelam que o mundo é pequeno e a ignorância, enorme. Ao lado do teatrólogo Henrik Ibsen (1828-1906), autor de obras-primas como Casa de Bonecas e O Inimigo do Povo, está Knut Hamsun (1859-1952), Prêmio Nobel de Literatura de 1920, famoso por narrativas como Fome e Um Vagabundo Toca em Surdina – textos ligeiramente fora de moda, mas de inegável qualidade. Há outros, muitos outros, basta citar um exemplo recente, o romance O Meio-irmão, de Lars Saabye Christensen, que obteve relativo sucesso nos círculos intelectuais menos dependentes da lixeratura convencional.

Karl Ove Knausgård
Folheando A Morte do Pai, um pouco de alívio pelas recordações não entrarem em curto-circuito. Nos momentos de crise emocional, a união de palavras-chaves como morte e pai pode se transformar na fagulha que destrói o equilíbrio psíquico. Em alguns casos, além de gerar alucinações, produz avalanches de emoções. Há iniludível desconforto quando se torna necessário enfrentar a representação de uma história (em) comum. Menos traumático deve ser construir castelos de cartas.

Mesmo que pareça mórbido, viver em família implica em carregar cadáveres (reais, imaginários, simbólicos). E todos são pesados – insuportavelmente pesados. Poucos indivíduos possuem força para arrastar esse fardo com um mínimo de elegância. A estradinha cheia de buracos que conduz até as Moiras (Cloto tece o fio da vida; Láquesis cuida da extensão e do seu desenrolar; Átropos determina o fim da existência), também encaminha para a danação eterna. O inferno somos nós. Por pertença ou anátema. E a válvula de escape para o exterior desse lamaçal incompreensível está na invenção do inimigo. Transferir para o Outro a infração. Ou a inflamação. Sem escrúpulos, sem pânico.

Henrik Ibsen
Depois de ler rapidamente a “orelha”, comprei um exemplar de A Morte do Pai. Há algo de terapêutico em transferir para a vida alheia os fantasmas que nos assustam. Embora esse anestésico – na maioria dos casos – se mostre pouco eficaz, quase protagoniza o afastamento dos problemas legítimos. Será essa uma forma razoável de dissimulação? O silêncio preenche o temor de que a resposta seja sim. Mas também não elimina o medo se for não.

Verborrágicas. As 511 páginas de A Morte do Pai flertam com a dispersão narrativa. Leitores impacientes (acostumados com o ritmo frenético da literatura pragmática estadunidense, repleta de ação, diálogos e nenhuma reflexão) provavelmente não terão calma para atravessar esse mar muitas vezes excessivo, onde as palavras flutuam sem demonstrar o mínimo cansaço. O tom depressivo também não contribui para angariar alguma simpatia.

Knut Hamsun
Alguns críticos literários lançaram a hipótese absurda de que a voz literária de Karl Ove Knausgård se assemelha com a de Marcel Proust. Tolice. Marketing de segunda categoria – desses que embrulham interesses comerciais em embalagens sofisticadas. Faltam as frases espiraladas e intermináveis, as metáforas que se desdobram como evocação sensorial, a elaboração sofisticada da tessitura literária. Knausgård, misturando intermináveis divagações pseudo-filosóficas e lembranças embaciadas – e que vão sendo recuperadas aos poucos, seja como construção da memória, seja como artifício ficcional –, lembra (de longe, muito longe) Milan Kundera. O que talvez não seja exatamente um elogio.

Usando o cadáver do pai como ponto de partida, Knausgård desenvolveu significativa coreografia em torno da morte. Uma cerimônia do adeus muito particular. Uma forma de tentar romper com antigas carências – que, mesmo depois da morte paterna, continuam apavorando, asfixiando. Difícil suportar (superar) a rejeição. Traumas e cicatrizes não podem ser corrigidos por psicólogo ou cirurgião plástico.

O fluxo da história, através de dezenas de recuos e avanços no tempo narrativo, se alimenta de episódios desencontrados da infância e da adolescência. Algumas recordações ampliam os graus de tensão afetiva, comprovando que nem mesmo a distância temporal corrige o desacerto familiar.

Talvez seja isso que Knausgård tenta esclarecer quando menciona os filhos. Os seus e os de Yngve, o irmão. Misturando ternura, lágrimas e um pouco de melancolia, ele esboça uma estrutura familiar diferente daquela com que teve conviver antes de atingir a maturidade. Foi com horas de leituras e futebol que sobreviveu à separação dos pais – e, consequentemente, à solidão. A falta de segurança e autoestima – qualidades que sobram no irmão (modelo paterno que tentou seguir durante algum tempo para preencher a lacuna psicológica) – foram superadas pela couraça emocional.

Quando Knausgård recebe a notícia que o pai foi encontrado morto, sentado em uma cadeira, não há surpresa. Alcoólatras são suicidas em potencial. São indivíduos que costumam lançar os familiares nas ruínas que constroem diariamente. Dor e sofrimento estão na contramão da dignidade. Em Kristiansand, os dois irmãos (diante do cadáver paterno, diante daquele que – de uma forma ou de outra – os havia amado e oprimido com igual intensidade) contemplam a fragilidade da vida.


TRECHO ESCOLHIDO


 O mesmo carro estava estacionado perto da entrada, o mesmo homem abriu a porta quando bati. Ele me reconheceu, meneou a cabeça, abriu a porta da sala onde estivéramos na véspera, sem entrar, e eu me vi novamente diante de papai. Dessa vez estava preparado para o que me esperava, e seu corpo, a pele devia ter escurecido ainda mais com o passar de mais vinte e quatro horas, não despertou nenhuma das sensações que tinham me invadido na véspera. Agora eu via somente a ausência da vida. E já não havia diferença entre aquilo que um dia fora meu pai e a mesa onde ele jazia, ou o chão onde estava a mesa, ou a tomada na parede embaixo da janela, ou o fio que ia até a luminária ao lado dele. Pois os seres humanos são apenas formas em meio a outras formas, as quais o mundo não cessa de reproduzir, não só naquilo que tem vida, mas também naquilo que não tem, desenhando na areia, na pedra e na água. E a morte, que eu sempre considerara a maior dimensão da vida, escura, imperiosa, não era mais do que um cano que vaza, um galho que se quebra ao vento, um casaco que escorrega do cabide e cai no chão.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

TRINTA E CINCO FRASES SOBRE A ARTE DE ESCREVER

Italo Calvino e Jorge Luis Borges

Escrever é fácil. Tudo a fazer é se sentar encarando o papel em branco até que as gotas de sangue se formarem em sua testa. (Gene Fowler)

A escrita é a pintura da voz. (Voltaire) 

Se você precisa de muitas palavras para dizer o que pensa, pense mais um pouco. (Dennis Roch)

O mais difícil não é escrever muito: é dizer tudo, escrevendo pouco. (Júlio Dantas)

A maior parte do tempo de um escritor é passado na leitura, para depois escrever; uma pessoa revira metade de uma biblioteca para fazer um só livro. (Samuel Johnson)

Thomas Mann
Escrever é um ócio muito trabalhoso. (Goethe)

Ou escreves algo que valha a pena ler, ou fazes algo acerca do qual valha a pena escrever. (Benjamin Franklin)

Os que escrevem com clareza têm leitores, os que escrevem de maneira obscura têm comentaristas. (Albert Camus)

Publicamos para não passar a vida a corrigir rascunhos. Quer dizer, a gente publica um livro para livrar-se dele. (Jorge Luis Borges)

O escritor é um homem que mais do que qualquer outro tem dificuldade para escrever. (Thomas Mann)

Nunca entendi como dois homens podem ser juntar para escrever um livro. Para mim, é como precisar de três pessoas para produzir um filho. (Evelyn Waugh)

A glória ou o mérito de certos homens é de escrever bem; de outros, é de não escrever. (Jean de la Bruyère)

Escrevemos porque ninguém nos ouve. (Georges Perros)

Quando escrevo, confio inteiramente no leitor para acrescentar por si próprio os elementos subjetivos que faltam à histórica. (Anton Tchekhov)

Albert Camus
Escrever é batermo-nos com tinta para nos fazermos compreender. (Jean Cocteau)

Escrever é uma boa maneira de falar sem ser interrompido. (Jules Reynard)

É bom escrever porque reúne as duas alegrias: falar sozinho e falar a uma multidão. (Cesare Pavese) 

Escrever é transformar os seus piores momentos em dinheiro. (J. P. Donleavy)

Escrever é a única profissão em que ninguém é considerado ridículo se não ganhar dinheiro (Jules Renard)

Não se pode escrever nada com indiferença. (Simone de Beauvoir)

Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as idéias. (Pablo Neruda) 

Escrever foi a tábua à qual me agarrei para não ser considerado um idiota. (Carlos Heitor Cony)

Evelyn Waugh
Escrever é uma percepção do espírito. É um trabalho ingrato que leva à solidão. (Blaise Cendrars)

Escrever é também não falar. É calar-se. É gritar sem ruído. (Marguerite Duras)

É preciso escrever o mais possível como se falasse e não falar demais como se escrevesse. (Charles Saint-Beuve)

Escrever é sempre esconder algo de modo que mais tarde seja descoberto. (Italo Calvino)

Escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial. (Virginia Woolf)

Escrever é por em ordem as nossas obsessões. (Jean Grenier)

Escrevendo mal se aprende a escrever bem. (Samuel Johnson)

Devemos escrever para nós mesmos, é assim que poderemos chegar aos outros. (Eugène Ionesco)

Pablo Neruda
A verdadeira facilidade de escrever provém da arte e não do acaso. (Alexander Pope)

A escrita linear foi dada aos homens para que eles possam ler entre linhas. (Massimo Bontempelli)

A leitura torna o homem completo; a conversação torna-o ágil; e o escrever dá-lhe precisão. (Francis Bacon)

A escrita é a única forma perfeita do tempo.  (Jean-Marie Le Clézio)

Um repórter de rock é um jornalista que não sabe escrever, entrevistando gente que não sabe falar, para pessoas que não sabem ler. (Frank Zappa)



segunda-feira, 3 de junho de 2013

1Q84 – UM ÉPICO DE HARUKI MURAKAMI (PARTE I)

Haruki Murakami talvez seja o mais conhecido escritor japonês contemporâneo. O seu último romance, 1Q84, dividido em três volumes, não foi muito bem recebido pela crítica. A Internet está entulhada de comentários depreciativos. Muitos desses registros estão impregnados pelo saudosismo de quem queria repetir a experiência literária nos moldes de Norwegian Wood, Minha Querida Sputnik ou Kafka à Beira-mar. Houve até quem dissesse que a chama da criatividade está se extinguindo. E isso, de uma forma ou de outra, afastou alguns leitores.

Apaixonado por jazz, gatos e atletismo, Murakami, manejando a voz narrativa pop, conseguiu equilibrar o antigo e o moderno sem fazer muitas concessões ao banal. Ao contrário do que possa parecer, isso não deve ser entendido como ofensa. Trata-se de um elogio. O Japão, depois de 1945, está vinculado com o modo de vida do Ocidente. E a literatura, por diversos motivos, não pode perder o vínculo com a História. Ou seja, embora as narrativas épicas sobre o xogunato, junto com os dramas que envolvem a decadência do Império, não possam ser descartadas, cabe entender que nobres, camponeses, samurais e gueixas transitam por um universo em decomposição. E que a cultura europeia e estadunidense (para o bem e para o mal) está impregnada no modo de viver das novas gerações nipônicas. 

O primeiro volume de 1Q84 transita pelo diferente, pelo estranhamento. O texto realista, sedimentado no verossímil, vai se transformando lentamente em ficção-científica (gênero que não é estranho a Murakami: Crônica do Pássaro de Corda, edição portuguesa). 

A história de Aomame e Tengo vai se desenvolvendo em paralelo. Ela é professora de educação física e trabalha em uma academia com musculação e artes marciais – disfarce perfeito para encobrir algumas ações que executa com agilidade e competência: matar homens que maltratam mulheres. Ele ganha a vida como professor de matemática em uma escola preparatória. Amante de uma mulher mais velha, está se esforçando para se tornar escritor profissional. Tengo e Aomame estudaram na mesma sala durante o ensino elementar. Depois, por motivos alheios ao entendimento das crianças, perderam o contato.

Komatsu, que é uma espécie de mentor de Tengo, o convence a reescrever um romance enigmático, que irá concorrer a um prêmio literário importante. Crisálida de Ar foi escrito por Fukaeri (pseudônimo de uma adolescente protegida do professor de filosofia Ebisuno). A série de situações pouco convencionais que surgem como consequência da visibilidade alcançada pelo livro resulta em pessoas desaparecidas, assassinatos, pedofilia, grupos políticos radicais e seitas religiosas.

Como esse conjunto de questões será encaixado na narrativa é o grande mistério que somente o segundo e o terceiro volume do romance conseguirão esclarecer. Junto, há a possibilidade de Tengo e Aomame se encontrarem em algum ponto da história.


P.S.: Uma característica que merece consideração nos romances de Haruki Murakami é a absoluta incapacidade para descrições intimas. Em algumas situações, não há como negar que algumas atividades em cima de uma cama fazem parte do enredo amoroso. Murakami, em lugar de superar o problema com o uso elementar de elipses, prefere utilizar frases mecânicas, artificiais – e que destroem o andamento narrativo.