Páginas

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

QUANDO A MÚSICA INVADE A VIDA URBANA



A cada quinze dias, nas segundas-feiras, próximo das seis horas da tarde, um pouco antes que a agitação urbana se multiplique, um evento inusitado modifica a praça e as pessoas que por lá se deslocam. Há algo de surreal em diversos músicos tocando na sacada de um prédio público, a poucos metros da rua – onde o público em trânsito, provavelmente preocupado com urgências pessoais, raramente percebe o que está acontecendo ao seu redor.

A alegria que acompanha o imprevisto espelha o rosto dos indivíduos. Olha lá!, disse o menino para a mãe. O espaço urbano, que muitos julgam ser inapropriado para algumas discussões estéticas e artísticas, é território de combate. A música e o sensível se entrelaçam – como se fossem dois amantes, como se fossem uma promessa de felicidade. Algumas pessoas se sentam nos bancos da praça ou no meio da calçada. O som dos instrumentos e as vozes dos cantores se espalham pelo ambiente urbano em um clima de comunhão, de congraçamento. Surge uma espécie de elegia poética, melodia que assinala a intervenção no descompasso do mundo.
  
Não há limites ou impedimentos. Todos os ritmos e sons são permitidos e incentivados. Entre o pop rock e a música tradicionalista, há espaço para a bossa nova, MPB, samba. Alguns clássicos, peças menores, também comparecem. Essa mistura, sem ordem temática, sem dívidas com o gosto (ou o desgosto), quer construir outro patamar: a divulgação e difusão musical.

Enquanto os sons se projetam além da sacada, os barulhos urbanos são deslocados para segundo plano.  Em contraste com a beleza, desaparecem os ruídos produzidos pelos carros, pelos skates, pelo sino da catedral. Somente a música consegue reunir o mistério com o entusiasmo. Talvez seja essa a desculpa para a distração de um ciclista, que quase atropelou um cachorro (provavelmente perdido de seu proprietário). O animal latiu furioso. Uma das mulheres que estavam na praça perguntou para a amiga ao lado se a reação canina foi em resposta à agressão ou se estava a pedir silêncio para poder continuar ouvindo a música. Sorrisos iluminaram os rostos das duas.

Em alguns momentos, o inusitado se faz presente. Em uma das apresentações, uma partitura foi levada pelo vento. Enquanto os músicos tentavam prosseguir o andamento musical, fingindo ignorar o pequeno desastre, a folha de papel ficou dançando no ar por alguns segundos. Nesse momento, em que a perplexidade entrou em cena, a plateia se dividiu entre os que ignoraram o incidente e aqueles que acompanharam o pouso suave no paralelepípedo. Alguém – sem se ater ao poder perturbador do pequeno drama – recolheu a página fugitiva e a levou de volta ao seu dono.

Depois de uma hora, uma hora e meia, o suave encontro com a noite conduz ao silêncio. Sobra o coração a pulsar, intensamente, como se fosse as cordas de um violão. Daqui a quinze dias haverá mais.              

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

P.S.: O projeto Arte na Sacada, que ocorre quinzenalmente na Praça João Ribeiro, na área central de Lages (SC), está sob a responsabilidade dos professores e alunos da Escola de Artes Elionir Camargo Martins, mantida pela Fundação Cultural.

Fotos: Marcio Ávila, Divulgação/Prefeitura do Município de Lages (SC).

terça-feira, 28 de outubro de 2014

A POLÍTICA EM CINQUENTA FRASES



John Kenneth Galbraith
– A política não é a arte do possível. Consiste em escolher entre o desastroso e o intragável. (John Kenneth Galbraith)

– O pior governo é o mais moral. Um governo composto de cínicos é frequentemente mais tolerante e humano. Mas, quando os fanáticos tomam o poder, não há limite para a opressão. (H. L. Mencken)

– No Brasil, a vida pública é, muitas vezes, a continuação da privada. (Barão de Itararé)

– Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou. (Magalhães Pinto)

– Não gosto de política, gosto de poder. Política para mim é um meio de chegar ao poder. (Carlos Lacerda) 

– Noventa por cento dos políticos dão aos dez por cento restantes uma péssima reputação. (Henry Kisinger)

– O ilegal pode ser feito já. O inconstitucional toma mais tempo. (Henry Kissinger)

Henry Kissinger
– Vote no candidato que prometer menos. Você ficará menos decepcionado. (Bernard Baruch)

– Não são as eleições que fazem uma democracia. É a apuração. (Tom Stoppard)

– O que os presidentes não fazem com suas esposas, acabam fazendo com o país. (Mel Brooks)

– Democracia é aquela forma de governo em que todos têm o que a maioria merece. (James Dale Davidson)

– O poder é como a mulher com quem você quer ficar na cama para sempre. (Dean Acheson)   

– Políticos que se queixam da imprensa são como comandantes de navio que se queixam do mar. (Mark Twain)

– A esquerda é boa para duas coisas: organizar manifestações de rua e desorganizar a economia. (Humberto de Alencar Castelo Branco)

– Em política o que te dizem nunca é tão importante quanto o que você ouve sem querer. (Millôr Fernandes)

– Democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos. (Winston Churchill)

– A democracia é a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos. (H. L. Mencken)

Winston Churchill
– A democracia é apenas a substituição de alguns corruptos por muitos incompetentes. (George Bernard Shaw)

– O poder corrompe, mas a falta de poder corrompe absolutamente. (Adlai Stevenson)

– Democracia é o nome que costumamos dar ao povo sempre que precisamos dele. (Robert de Flers)

– Democracia é um processo pelo qual as pessoas são livres para escolher quem levará a culpa. (Laurence J. Peter)

– Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos. (August Comte)

– Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mais vivos. (Barão de Itararé)

– Nós, os liberais e progressistas, sabemos que os pobres são iguais a nós em tudo, exceto nesta história de serem iguais. (Lionel Trilling)

– Por mais hábil que seja, o político acaba sempre cometendo alguma sinceridade. (Millôr Fernandes)

– O poder não é um meio, é um fim. Ninguém estabelece uma ditadura para proteger uma revolução. Ao contrário, faz-se uma revolução para se estabelecer a ditadura. (George Orwell)

George Orwell
–Todo presidente concentra poder demais para fazer o mal e poder de menos para fazer o bem. (Gustavo Krause)

– Nossos políticos são um bando de ioiôs. A presidência é um misto de concurso de popularidade com debates de ginásio, tendo como prêmio uma enciclopédia de clichês. (Saul Bellow)

– Todo conservador moderno está empenhado num dos mais antigos exercícios de filosofia: o de procurar uma justificativa moral superior para o egoísmo. (John Kenneth Galbraith)

– Como nenhum político acredita no que diz, deve sentir-se surpreso ao ver que os outros acreditam nele. (Charles de Gaulle)

– Os políticos são os mesmos em toda parte. Prometem construir uma ponte até onde não há rio. (Nikita Kruschev)

– Nenhum partido político é tão ruim quanto seus líderes.(Will Rogers)

– A política é a atividade de pessoas vulgares que, quando se dão bem, tornam-se importantes aos olhos de pessoas ainda mais vulgares. (George Jean Nathan)

– Não gosto da direita porque ela é de direita, e não gosto da esquerda porque ela é de direita. (Millôr Fernandes)

– O poder é o afrodisíaco definitivo. (Henry Kissinger)

H. L. Mencken
 – Nunca ousei ser um radical na juventude, por medo de me tornar um conservador depois de velho. (Robert Frost)

– Todo governo é dirigido por mentirosos e nada do que ele diz é digno de crédito. (I. F. Stone)

– O homem que consegue governar uma mulher consegue governar uma nação. (Honoré de Balzac)

– Sou inteligente o bastante para não ser de direita, mas rebelde demais para ser de esquerda. (Carlos Heitor Cony)

– Das várias maneiras para se atingir o desastre, o jogo é a mais rápida; as mulheres, a mais agradável; e consultar economistas, a mais segura. (Georges Pompidou)

– Ditadura é um regime em que a opinião pública não pode ser expressa nem em particular. (Walter Winchell)

– Toda revolução bem sucedida veste rapidamente o manto do tirano que ela depôs. (Barbara Tuchman)

– Eu achava que a política era a segunda profissão mais antiga. Hoje vejo que ela se parece muito com a primeira. (Ronald Reagan)

– O comunismo, como qualquer outra religião revelada, é principalmente um conjunto de profecias. (H. L. Mencken)

George Bernard Shaw
 – A política é a arte de impedir as pessoas de participar de assuntos que são de seu interesse. (Paul Valery)

– Política tem essa desvantagem: de vez em quando, o sujeito vai preso em nome da liberdade. (Stanislaw Ponte Preta)

– Certa vez tomei a atitude política mais firme de minha vida: passei 24 horas sem comer uvas. (Woody Allen)

– Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos. (Nelson Rodrigues)

– A prosperidade de alguns homens públicos no Brasil é uma prova evidente de eles vêm lutando pelo progresso de nosso subdesenvolvimento. (Stanislaw Ponte Preta)

– Um bom político é tão inconcebível quanto um ladrão honesto. (H. L. Mencken)

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

DIAS PERFEITOS




Os romances policiais estão sofrendo interessantes transformações. Em outros tempos, os enredos relacionavam a ação narrativa com habilidade dedutiva de Sherlock Homes e Nero Wolfe. Depois de analisar a situação, o detetive puxava um fio solto e fornecia visibilidade ao que estava aparentemente escondido. Simples e bonito. Esta proposta literária rapidamente saiu de moda. O dinamismo, refletindo a industrialização da sociedade capitalista, criou um ambiente social onde a delicadeza humana foi substituída pela violência física. A barbárie se tornou sinônimo de glamour. Por exemplo, Sam Spade transitando entre os lábios de alguma loura de farmácia e trocas de tiros no meio da noite. Nesse esquema, o detetive, digo, o anti-herói, misto de cafajeste e policial, queria, em princípio, resolver a tarefa que lhe era designada ou contratada. Entre encontrar um objeto roubado ou descobrir evidências de alguma traição conjugal, a situação se complicava, surgiam novos elementos.  Mas, isso era – quase sempre – um recurso ficcional para justificar novas agressões, para outros cadáveres empilhados em um beco escuro.

O romance policial moderno trabalha com outra lógica. O lirismo se transformou em sua vítima favorita. O maniqueísmo, que divide o mundo entre mocinhos e bandidos, desapareceu. Ninguém é de confiança. A segurança social urbana foi substituída pelo medo. Todos precisam conviver com os estragos produzidos pela violência psicológica. As entranhas do ser humano foram expostas em outdoors. Entraram em cena as diversas patologias mentais e os desvios de comportamento, os serial killers e os psicopatas. A nova configuração da tragédia contemporânea está expressa na curva dramática, que oscila entre a tranquilidade aparente e o medo constante. Tudo se tornou difuso, líquido, brilho sem conteúdo.

Dias Perfeitos, romance policial de Raphael Montes, conta uma história de obsessão. Teodoro (Téo) Avelar Guimarães, estudante de medicina, vegetariano, órfão de pai, morando com a mãe paraplégica, vida social e sexual zero, não passa de um catálogo ambulante de clichês. Parece personagem recortado de algum manual básico de psicologia. Tanto que a sua demonstração mais significativa de afeto é com Gertrudes, o cadáver residente da sala de anatomia da faculdade. Seus problemas emocionais são potencializados quando conhece Clarice Manhães em um churrasco – que sua mãe o obrigou a comparecer. A menina está escrevendo o roteiro de um road movie chamado Dias Perfeitos.

A história do indivíduo que sequestra o objeto amoroso e o sujeita – pedagogicamente – a uma série de torturas físicas e psicológicas está dissecada nos romances O Colecionador, de John Flowles, e Angústia, de Stephen King, clássicos do gênero. Qualquer elemento que for acrescentado ao tema, seja na vilania que fornece cor e sabor aos rituais de sadismo, seja nas variações que constituem a Stockholmssyndromet (Síndrome de Estocolmo, que é o sentimento de amor ou amizade que a vítima sente por seu agressor), em nada modifica o básico: o horror anda de mãos dadas com a perversão.

Em Dias Perfeitos, Téo quebra todas as regras de civilidade que caracterizam o viver em sociedade. Obcecado por Clarice, submete-a ao cárcere privado, sedação com anestésico, tortura psicológica e estupro, entre outras demonstrações de carinho e afeto. O nível patológico que caracteriza a sua relação com a mulher que diz amar não tem limites. Os delírios persecutórios o empurram na direção do inominável. O assassinato de um ex-namorado de Clarice, que é esquartejado em reprise das aulas de anatomia, não passa de detalhe em um conjunto de horrores.

O enredo de Dias Perfeitos é conduzido por um narrador onisciente, parcial, e sem muita consistência. Nos momentos em que a ação narrativa não consegue se manter com os truques baratos do diálogo incessante e das cenas minimalistas, o texto descamba para o piegas, como comprova o desfecho, que é arrastado, inverossímil, quase uma reprodução sem importância de qualquer narrativa secundária, publicada no século XVIII.

Talvez o pior defeito de Dias Perfeitos seja a visível preocupação com a metalinguagem cinematográfica e com a possibilidade paranoica de estar integrando algum reality show, o mais significativo espelho do egoísmo moderno, Com frequência, tinha a sensação de que vivia num filme em que pessoas do outro lado do mundo o acompanhavam através de câmeras ligadas vinte e quatro horas por dia. Em alguns momentos, percebe-se a tentativa canhestra do narrador em dialogar com o enredo de filmes como O Colecionador (The Collector. Dir. William Wyler, 1965), Louca Obsessão (Misery. Dir. Rob Rainer, 1990), Ata-me! (¡Atame!, Dir. Pedro Almodóvar, 1990) e A Pele que Habito (La Piel que Habito, Dir. Pedro Almodóvar, 2011) – baseado em Mygale, romance de Thierry Jonquet. Como se não bastasse tanta variação do mesmo tema, um leitor atento poderá encontrar alguns vestígios de 3096 Dias de Cativeiro (3096 Tage. Dir. Sherry Horman, 2013) e de um dos grandes clássicos das relações amorosas pouco convencionais, Atração Fatal (Fatal Atraction. Dir. Adrian Lyne, 1987). 

Traduzindo em miúdos, apesar do verniz contemporâneo, Dias Perfeitos não consegue empolgar. Remake não passa de remake.