A cada quinze dias, nas segundas-feiras,
próximo das seis horas da tarde, um pouco antes que a agitação urbana se
multiplique, um evento inusitado modifica a praça e as pessoas que por lá se
deslocam. Há algo de surreal em diversos músicos tocando na sacada de um prédio
público, a poucos metros da rua – onde o público em trânsito, provavelmente preocupado
com urgências pessoais, raramente percebe o que está acontecendo ao seu redor.
A alegria que acompanha o imprevisto
espelha o rosto dos indivíduos. Olha lá!, disse o menino para a mãe. O espaço urbano, que muitos julgam ser inapropriado para algumas discussões estéticas e
artísticas, é território de combate. A música e o sensível se entrelaçam – como
se fossem dois amantes, como se fossem uma promessa de felicidade. Algumas
pessoas se sentam nos bancos da praça ou no meio da calçada. O som dos instrumentos e as
vozes dos cantores se espalham pelo ambiente urbano em um clima de comunhão, de
congraçamento. Surge uma espécie de elegia poética, melodia que assinala a intervenção
no descompasso do mundo.
Não há limites ou impedimentos. Todos os
ritmos e sons são permitidos e incentivados. Entre o pop rock e a música
tradicionalista, há espaço para a bossa nova, MPB, samba. Alguns clássicos,
peças menores, também comparecem. Essa mistura, sem ordem temática, sem dívidas
com o gosto (ou o desgosto), quer construir outro patamar: a divulgação e
difusão musical.
Enquanto os sons se projetam além da
sacada, os barulhos urbanos são deslocados para segundo plano. Em contraste com a beleza, desaparecem os
ruídos produzidos pelos carros, pelos skates, pelo sino da catedral. Somente a
música consegue reunir o mistério com o entusiasmo. Talvez seja essa a desculpa
para a distração de um ciclista, que quase atropelou um cachorro (provavelmente perdido de seu
proprietário). O animal latiu furioso. Uma das mulheres que estavam na praça
perguntou para a amiga ao lado se a reação canina foi em resposta à agressão ou
se estava a pedir silêncio para poder continuar ouvindo a música. Sorrisos
iluminaram os rostos das duas.
Em alguns momentos, o inusitado se faz
presente. Em uma das apresentações, uma partitura foi levada pelo vento. Enquanto
os músicos tentavam prosseguir o andamento musical, fingindo ignorar o pequeno
desastre, a folha de papel ficou dançando no ar por alguns segundos. Nesse
momento, em que a perplexidade entrou em cena, a plateia se dividiu entre os que
ignoraram o incidente e aqueles que acompanharam o pouso suave no paralelepípedo. Alguém –
sem se ater ao poder perturbador do pequeno drama – recolheu a página fugitiva
e a levou de volta ao seu dono.
Depois de uma hora, uma hora e meia, o
suave encontro com a noite conduz ao silêncio. Sobra o coração a pulsar, intensamente,
como se fosse as cordas de um violão. Daqui a quinze dias haverá mais.
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P.S.: O projeto Arte na Sacada, que ocorre quinzenalmente na Praça João Ribeiro, na área central de Lages (SC), está sob a responsabilidade dos professores e alunos da Escola de Artes Elionir Camargo Martins, mantida pela Fundação Cultural.
Fotos: Marcio Ávila, Divulgação/Prefeitura do Município de Lages (SC).
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