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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

A HISTÓRIA EM QUARENTA FRASES

 


– O que é a história? É a soma de relatos, quase todos falsos, de eventos quase todos menores, provocados por políticos quase todos velhacos e executados por soldados quase todos patetas. (Ambrose Bierce)

– Não se muda o curso da história virando-se os retratos para a parede. (Jawaharlal Nehru)

– Como Deus não pode alterar o passado, é obrigado a depender dos historiadores. (Samuel Butler)

– A história é um pesadelo do qual estamos tentando acordar. (James Joyce)

– A história é apenas uma série de crimes e desgraças. (Voltaire)

– A história é uma puta. Sempre fica com quem paga melhor. (Juan Domingos Perón)

– A história é a soma das coisas que poderiam ser evitadas. (Konrad Adenauer)

– Não gostar do que tem e querer o que não tem – é a história de todos os homens. (François Chateaubriand)

– O dom de despertar do passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer. (Walter Benjamin)

– Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história. (Hannah Arendt)

– Mas a história é pessoa entrada em anos, gorda, pachorrenta, meditativa, tarda em recolher documentos, mas tarda em os ler e decifrar. (Joaquim Maria Machado de Assis)

– O que importa não é a história. É o verbete da história. (Millôr Fernandes)

– Saio da vida para entrar na história (Getúlio Dornelles Vargas)

– Saio da história para cair na vida. (Cacá Rosset)

– A vida não é nada mais que uma sombra que passa, um pobre louco que se pavoneia e se agita no palco sem que ninguém o escute. É uma história contada por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada. (William Shakespeare)

– A história da sociedade até os nossos dias é a história da luta de classes. (Karl Marx)

– Falar do passado é falar do presente pelas costas. (Millôr Fernandes)

– Não se muda a história com lágrimas (Glauber Rocha)

– A história não é palco de felicidade. (Georg Wilhelm Friedrich Hegel)

– Na minha juventude, achávamos que a história era um trem indo para uma direção precisa. Hoje, a gente sabe que a história é uma senhora bêbada que tropeça em tudo que vê. (Cacá Diegues)

– A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos. (Cícero)

– A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será. (Eduardo Galeano)

– Gosto mais dos sonhos do futuro do que da história do passado (Thomas Jefferson)

– A história é uma lenda, só que muito mais mentirosa. (Millôr Fernandes)

– Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. (Karl Marx)

– A história se repete. Esta é uma das coisas errada com ela. (Clarence Darrow)

– Aqueles que não conseguem se lembrar do passado estão condenados a repeti-lo. (George Santayana)

– A vida é enfadonha como uma história contada duas vezes. (William Shakespeare).

– Pode-se dizer que as batalhas históricas, ou os eventos em geral que envolvem conflitos, são travados pelo menos duas vezes. A primeira quando se verificam na forma de evento e a segunda quando se trata de estabelecer sua versão histórica ou sua memória. E não há como dizer que a primeira seja mais importante que a segunda. (José Murilo de Carvalho)

– Quanto mais se recua na observação do passado, mais se avança na visão do futuro. (Winston Churchill)

– Escrever a história é uma forma de nos livrarmos do passado. (Johann Goethe)

– Tudo se perde, a justiça nunca é feita, a história só justifica e ratifica os erros, incongruências e promoções do presente e até se dá o luxo, uma vez, 1000 em 1000 anos, de desfazer uma injustiça. Só para que os tolos digam que a verdade sempre aparece. (Millôr Fernandes)

– Há, nos mais graves acontecimentos, muitos pormenores que se perdem, outros que a imaginação inventa para suprir os perdidos, e nem por isso a história morre. (Joaquim Maria Machado de Assis)

– A história é um romance que aconteceu; o romance é a história que poderia ter acontecido. (Jules Goncourt)

– O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história. (Walter Benjamin)

– O passado é um país estrangeiro. As pessoas agem de outra forma lá. (Leslie Poles Hartley)

– A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo. (Napoleão Bonaparte)

– A única obrigação que temos com a história é a de reescrevê-la. (Oscar Wilde)

– Quanto mais se recua na observação do passado, mais se avança na visão do futuro. (Winston Churchill)

– Só acreditam que a História vai acabar três categorias de pessoas: os cristãos, os judeus e os marxistas. (Evaldo Cabral de Mello)



segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

El Bólido Agustin

 


O futebol, a mais importante das coisas menos importantes, como afirmou Arrigo Sacchi, está pouco representado na literatura brasileira. Salvam-se alguns contos, um ou dois romances, três ou quatro biografias e meia dúzia de ensaios. O resto beira o descartável – alguns usando o esporte como trampolim para discutir assuntos aleatórios.

Talvez a explicação para isso esteja no campo psicológico: quem gosta de futebol costuma ignorar os deslizes de alguns jogadores. Nessa ausência de separação entre a vida privada do individuo e a habilidade futebolística costuma-se fechar os olhos para as cafajestadas, as agressões domésticas, as amizades espúrias e os golpes financeiros. Tudo é permitido (inclusive elogiar as santas mães e irmãs dos adversários e dos árbitros). Basta fazer gols ou defender ataques do adversário – e está perdoado.    

Em El Bólido Agustin (Editora Quelônio, 2023), André Rosemberg abordou o futebol (e suas nuances) em três textos ficcionais. São narrativas longas e que, talvez, possam ser consideradas como novelas. E isso acontece porque André se afasta da economia textual. Podendo escrever uma frase com sujeito, verbo e predicado, ele prefere acrescentar uma quantidade enorme de figuras de linguagem. É uma forma de expressar, pela multiplicidade das palavras, o máximo de sentimentos. Funciona – neste caso.

Na primeira novela, com uma linguagem que se aproxima da crônica, o narrador conta a história de um argentino que pendurou as chuteiras depois de ter jogado no Flamengo. Seus momentos de glória ficaram gravados nos anos 50, quando o esporte ainda era capaz de produzir uma aura mítica, ou seja, aquele momento em que os seres humanos eram confundidos com os deuses. Com a inevitável decadência técnica, Agustin de Oviedo y Oviedo continuou vivendo entre as quatro linhas do gramado, mas em outra função: cronista esportivo. O texto é uma espécie de relato da angústia, da tentativa de encontrar saída para uma vida que, em algum momento, perdeu o sentido. Como faz parte da tarefa narrativa, vão sendo somados os fatos, as histórias, o folclore, as idiossincrasias, o revelar que a divindade estava se esvaindo. Mais cedo ou mais tarde, todos se tornam pasto de los gusanos, como diria Agustin.

O segundo relato (Meu Camarada Garrincha) tem como figura central Eduard Anatolyevich Streltsov (1937 - 1990), que jogou no Торпедо (Torpedo), de Moscou, e na Seleção da União Soviética, campeã das Olimpíadas de 1956. Na véspera de embarcar para a Suécia, onde se realizaria a Copa do Mundo de 1962, Streltsov foi acusado de estupro e, logo em seguida, condenado a trabalhos forçados em Vyatlag, na Sibéria. Intrigas palacianas? Ninguém é jovem, bonito e talentoso impunemente. Muitos interesses estavam em jogo e Streltsov tinha uma personalidade com dificuldade para assumir a submissão aos desígnios políticos. No melhor texto do livro, ao descrever (ficcionalmente) o sofrimento em um mundo hostil, André Rosemberg cria um diálogo unilateral entre Streltsov e Garrincha.

Sabe, tenho uma saudade terrível da bola. Às vezes, me pego chutando o ar enquanto durmo. Grito também. Passa a bola, paizinho! Estou livre na área, não me enxerga? Sou centroavante, sabe? Tenho faro de artilheiro. Dizem que jogo mais que o Valentin Ivanov. O Valentin é meu companheiro de ataque no Torpedo. Ele também foi para a Suécia. Um craque, Garrincha. Dizem que sou craque também. Sem modéstia, faço muito gol. Muito gol mesmo. Ou fazia... nem sei mais. Acho que me aleijaram para sempre. Me bateram muito quando cheguei aqui. (p. 90)

A última novela (O Juiz) se concentra nos aspectos psicológicos de um árbitro de futebol que precisa lidar com inúmeras complicações: a religiosidade confusa, o homossexualismo enrustido, o conservadorismo político, a esposa doente. A soma de todas essas questões resulta em crises intestinais vexatórias. Ao apitar Santos x Corinthians (4 a 1) ou União Soviética e Colômbia (Copa do Mundo de 1962, Chile, 4 a 4), João (que é descendente de húngaros) precisa tentar equacionar o turbilhão que o atormenta. Obviamente, algumas coisas saem do controle.

El Bólido Agustin é indispensável para quem gosta da mistura entre literatura e futebol.    


Eduard Anatolyevich Streltsov (1937 - 1990)


terça-feira, 9 de janeiro de 2024

SAFARI

 


A violência possui propriedades camaleônicas. Essa tese está demonstrada nos três segmentos que compõem Safari, romance escrito pelo chileno Pablo Toro Olivos. Seja na guerra do Iraque, seja na escola, seja em um reality show, a selvageria está presente e ninguém está isento de ser atingido por esse tipo de horror.

Eric Villanueva (o personagem que aparece em todas as fases da narrativa) descobre que a dor se transforma em efeito colateral, secundário. Ninguém se importa com ela – nem mesmo aquele que a sente. Sobreviver parece ser a norma, o objetivo, a possibilidade de atingir o horizonte – que sempre está muito distante. E, nesse percurso, a linha tênue que separa a civilidade e a barbárie costuma ser rompida a todo instante – inclusive porque não faltam pretextos para que isso aconteça. O arrependimento deixa de existir quando algo maior está em jogo. Somente os fracos hesitam. Vencer supera os danos. Porque é assim que se deve proceder diante dos obstáculos.

No primeiro episódio (A noite do camelo) os mercenários chilenos Villanueva e Gutiérrez precisam raptar um dromedário. A história, além de ser absurda (inclusive por ser verossímil), multiplica a violência de forma hiper-realista. Depois de ter sido preso e torturado no Iraque, Jack Donovan (um dos principais soldados da empresa terceirizada que está atuando no Oriente Médio) adquire um fetiche carnívoro-sexual muito estranho. Nesse cenário, onde os combates mimetizam a luta pela sobrevivência – com todas as nuances que caracterizam a brutalidade humana – a caça ao camelídeo tira o foco dos interesses do capitalismo predador e se concentra na agressão sem sentido ou consistência.

As questões morais que se apresentam na segunda parte do livro (As eleições) mostram que o escrúpulo se transforma em figura retórica quando, na luta entre Eros e Tanatos, a etiqueta e os limites morais perdem a importância. O gozo (que caminha de mãos dadas com a pulsão da morte) cria a ilusão de que as incertezas e as carências podem desaparecer. A morte (imaginária, simbólica, efetiva) pertence ao outro, ao inimigo – aquele que está destinado a ser aniquilado sem piedade. E para que isso se concretize vale utilizar a coação, a possibilidade de tornar público alguns segredos e a opressão psicológica.

O terceiro episódio (Safari) possui semelhanças com várias narrativas contemporâneas: Jogos Vorazes (Suzanne Collins), Battle Royale (Koushun Takami), O Senhor das Moscas (William Golding) e os filmes O Show de Truman (Dir. Peter Weir, 1998) e Bacurau (Dir. Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, 2019). Em um futuro não muito distante, alguns criminosos são colocados em uma arena televisionada para serem caçados por milionários. Nesse programa de entretenimento, que simula uma selva tecnológica, os prisioneiros, se conseguirem resistir por três sessões, serão premiados com a anistia e uma gleba de terra – onde reiniciarão a vida social como agricultores. Como acontece em textos complexos, há outra luta se desenvolvendo em paralelo. Fora desse Coliseu moderno, a carnificina também está presente. A luta por ascensão social e econômica projeta outro tipo de brutalidade – talvez menos sanguinária, mas igualmente agressiva. 

Safari foi eleito o melhor romance chileno de 2022 e mostra, sem usar subterfúgios, algumas das faces de um mundo que estabeleceu na violência o seu objetivo mais importante.


TRECHO ESCOLHIDO

Outro foguete RPG caiu a alguns metros da casa e o mercenário Villanueva viu as paredes caindo, viu que o telhado desabava sobre eles e correu em pânico, cruzou o batente da porta, caiu no chão, fechou os olhos, pensou ter visto um exército de mortos, ouviu os gritos dos mortos amplificados por um tubo amarelo que se estendi desde os esgotos do mundo até o céu doente de Bagdá e então lhe veio um choque elétrico nas costas, ou melhor, ele sentiu que tinha uma espinha, como um peixe, e logo não sentiu mais nada, apenas pôde ver a estrutura destroçada e algumas vigas pontiagudas que caíram sobre Gutierrez e seu corpo dividido em dois.

A cabeça de Gutierrez, já separada do resto do corpo, girou sobre si mesma. Vista de baixo, recortada contra o céu negro, parecia um meteorito de carne. O mercenário Villanueva olhou nos olhos do morto e achou que eles pulsavam, ou que talvez retivessem um sopro de vida. Essa foi, então, a última imagem que a cabeça veria neste mundo: os olhos de outro homem, ferido, assustado, desejando estar em outro lugar e pensando em sobreviver para a próxima batalha. (p. 63-64).   

 


Pablo Toro Olivos (Santiago do Chile, 1983)