Fiz a assinatura da coleção de poesia Antologia Postal, editada pela Azougue (em parceria com a Cozinha
Experimental). Doze volumes que se propõem a mapear parte do versejar recente –
embora alguns dos autores que foram/serão publicados não possam ser qualificados
como novidades. No mundo a-pós-a-moderna-idade (seja lá o que isso for!), o
conceito de literatura contemporânea se tornou fluído, amorfo e indefinido.
Ao mesmo tempo em que cataloga uma série de experiências (de linguagem, de
técnica e de invenção), ocorre o tropeçar ou a elevação em itens acessórios
(pseudo-inovação, variações sobre o mesmo tema, reinterpretação, ressignificação,...).
Como resultado dessa salada, surge a multiplicidade de leituras para o poema – e isso é bom.
O ruim é que o contemporâneo está mais próximo do monstro criado por
Frankenstein do que de algum anjo da Renascença.  
De cada um dos doze livros serão
publicados trezentos exemplares numerados – apenas trezentos (diz o editor) – com
capa dura revestida em tecido e acabamento manual. Complementando os poemas, há
uma entrevista com o homenageado. Tudo isso ao custo de R$ 600,00. Parcelei em
quatro suaves prestações mensais. Consegui pagar todas. Para alegria dos
editores. Afinal, nestes tempos sombrios, em que todos se queixam da crise
econômica, a quantia envolvida na transação não é exatamente um par de
moedinhas. 
CURRICULUM
(Rubens Rodrigues Torres Filho)
Ser qualquer um mas ter alma de nobre.
Correr perigos sem temor indigno.
Paquerar a princesa apetitosa.
Vencer o ogro, transformar o rei em sogro.
e envelhecer amado pelo povo.
Inevitavelmente, antes de assumir o
compromisso, tive que perguntar para mim mesmo se não estava me envolvendo em
uma nova velha versão da proposta que idealiza o livro como fetiche. Quer
dizer, essa coleção tem um caráter de obra de arte portátil (valorizada pela
excelente trabalho de edição, que facilita a expansão dos poemas pela página em
branco), além de ser (por enquanto) inacessível para o grande público. Será que
não estava mergulhando em um projeto similar ao que existe em artes plásticas,
ou seja, comprar cópias numeradas e assinadas de litogravuras e/ou
xilogravuras? Não consegui encontrar uma resposta satisfatória para esse
questionamento. Inclusive porque, na contracorrente, cabe entender que o
incentivo a planos similares permitirá que a poesia ganhe uma maior
visibilidade. E, consequentemente, atrair novos leitores. 
E antes que alguém imagine algo que não
escrevi ou pensei, cabe registrar que estou satisfeitíssimo (assim, no
superlativo!) por ter aderido ao projeto. Um dos motivos é que, durante algum
tempo, muito tempo, para ser sincero, deixei a poesia de lado. Quer dizer, os
clássicos continuaram habitando a minha memória, não são raras as
circunstâncias que flagro a mim mesmo entoando – como um mantra – algum verso
que anotei mentalmente em algum momento da vida. Mas, em consequência dessa
negligência, perdi o contato com alguns dos mais importantes poetas dos últimos
cinquenta anos. Está na hora de retomar a relação afetiva com a poesia, disse
para mim mesmo. Complementando, não posso deixar de citar um item relativamente significativo nessa conversa: a
importância da Internet na divulgação do trabalho de alguns escritores. Foi lendo
poemas esparsos aqui e ali que percebi o quanto estava desatualizado e que, em
ritmo “antes tarde do que nunca”, deveria mudar o curso do barco e singrar
novos mares. 
COGITO
(Torquato Neto)
eu sou como eu sou
 pronome
 pessoal intransferível
 do homem que iniciei
 na medida do impossível
eu sou como eu sou
 agora
 sem grandes segredos dantes
 sem novos secretos dentes
 nesta hora
eu sou como eu sou
 presente
 desferrolhado indecente
 feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
 vidente
 e vivo tranquilamente
 todas as horas do fim 
Os quatro primeiros livros (Roberto Piva,
Torquato Neto e Rubens Rodrigues Torres Filho, Guilherme Zarvos) foram publicados em 2016. Recebi o livro de Zarvos nos primeiros dias de 2017. Nos próximos meses os assinantes
receberão os volumes dedicados a Alberto Pucheu, Carlito Azevedo, Claudia
Roquette-Pinto, Claudio Willer, Eucanaã Ferraz, Francisco Alvim, Frederico
Barbosa, Glauco Mattoso, Josely Vianna Baptista, Leonardo Fróes, Lu Menezes,
Paulo Henriques Britto, Renato Rezende e Ricardo Aleixo. Como o número de
poetas é superior ao número de livros a serem publicados, imagino que alguns
volumes serão repartidos ou haverá uma segunda assinatura para quem quiser
continuar participando da brincadeira.                     
SARDANAPALUS
(Roberto Piva)
corre a língua
 louca na superfície
 da coxa em fogo
 sua voz
 sua anca trêmula
 na montanha
 da morte
 eu & você vivemos
 o relâmpago
 o momento de amor
 desatina
 você delira
em suor & azul
 metais explodem
 no ar &
caem em cinzas
 na folhagem
 tudo respira o
 prazer do mundo
 corpos elétricos
 se encaixam
 & se amparam
Diante dos quatro primeiros volumes,
extasiado pelos poemas, e há alguns que são absolutamente geniais, fiz a
pergunta derradeira: qual é o propósito da poesia contemporânea?  Sem cair no maniqueísmo que resulta de
discussões em que confrontam o certo e o errado, respondo para mim mesmo que
nunca acreditei que a poesia possui (muitos) compromissos com as questões
práticas. Ou melhor, sei que essas demandas são importantes, mas não são as
únicas, e, dependendo da circunstancia, não são as mais significativas (para a
poesia). Então, de que deve se ocupar a poesia? Confesso que não tenho a
resposta. Às vezes, muitas vezes, sou tomado pela sensação de que jamais terei.
Melhor assim. Para quem flerta com o abismo, a poesia multiplica o prazer da
aventura. Ou do perigo. Que se no es lo mismo, pero es igual, como disse
alguém em outro contexto.
Independente do grau de sofisticação
literária ou da relação afetiva do leitor com o seu poeta favorito, a seleção
do material publicado, nos quatro primeiros volumes da Antologia Postal (Roberto Piva, Torquato Neto, Rubens Rodrigues Torres Filho e Guilherme Zarvos), não merece ser
alvo de reprimenda. Somente aplausos. Além disso, a reunião de alguns poemas do Piva, inéditos em
livro, publicados de forma esparsa (revistas, jornais, antologias,...), fornece
para a coleção uma grande relevância arqueológica e historiográfica. Em relação
aos poemas selecionados de Torquato Neto e Rubens Rodrigues Torres Filho não há
novidades. Mas, a leitura de textos como Go Back e Cogito (Torquato) ou Do Vinho para a Água e Curriculum (Torres Filho) equivale ao encontro com um
velho amigo – desses que (independente da distância física) sempre estiveram
próximos. Quanto ao Guilherme Zarvos, bem... ele me era desconhecido. E receber o livro (que contém parte de sua poesia) foi uma grata surpresa, ou melhor, uma alegria.




 








