O escritor Édouard Louis (nascido Eddy Bellegueule), 32 anos, passou pelo Brasil como se fosse um furacão. Esteve em Paraty, Rio de Janeiro e São Paulo. Foi entrevistado pelo programa Roda Vida (Tv Cultura) e reverenciado em um artigo na revista Piauí nº 217, além de ser citado em reportagens da imprensa escrita, falada e televisionada. Enfim, não faltaram homenagens e publicidade.
Imediatamente surgiram experts na obra literária do francês. Difícil acreditar nesse fenômeno, exceto pelas exceções de sempre. Difícil acreditar que um escritor combativo – em tudo oposto ao bom mocismo que impera na literatura brasileira – tenha despertado a consciência crítica da crítica sem consciência que costuma vicejar em Pindorama. Talvez seja um desses acontecimentos ligados às projeções do desejo de louvar em terras outras o que aqui ninguém quer plantar. O popular complexo de vira-latas.
Quem, entre os que aqui estão, costuma nomear os artífices do mal nos esquemas de poder? Quem utiliza a denuncia como uma ferramenta literária? Quem deixa de lado o medo e utiliza – de forma objetiva – o binômio política e literatura em uma narrativa? Meia dúzia, se não for menos. Normalmente, essas publicações estão escondidas no catálogo de editoras quase desconhecidas e raramente conseguem ser indicadas na mídia (que precisa atender os interesses de quem paga para perpetuar as relações de poder).
Ah, isso é um exagero, diriam os humilhados e ofendidos. E rebatem a questão dizendo que o fulano faz isso; o sicrano também. Sei... Pois o que se vê é que esses sujeitos são os reis das figuras de linguagem, uma metáfora aqui, uma elipse ali, uma alusão acolá. Ninguém atinge o cerne. Ninguém quer colocar em risco a carne, o sangue, os ossos. Então, o que produzem são aqueles dilemas da classe burguesa que sofre de amores não correspondidos e que emulam uns aos outros na tentativa de produzir um motocontínuo de sensibilidade e paixão.
Édouard Louis, ao contrário, contou, em O Fim de Eddy (São Paulo: TusQuets, 2018), o horror que é ser homossexual em um grupo social precário, violento e preconceituoso. Em História da Violência (São Paulo: TusQuets, 2020), narrou o dia em que foi estuprado. E nem nenhum momento omitiu as palavras necessárias para descrever essa ignomínia. Em Quem Matou Meu Pai (São Paulo: Todavia, 2023), relacionou os últimos presidentes da república francesa, os primeiros-ministros e seus respectivos ministros das finanças. Foram esses políticos, defensores do neoliberalismo, que debilitaram a vida dos aposentados, levando-os à miserabilidade.
Ah, mas ele não escreve com elegância, apontam os estetas literários. Sim, isso ele não faz. Mas, será isso importante em um escritor que adotou a tradição francesa do intelectual que interage com a sociedade, e que segue os passos de Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Simone de Beauvoir, Roland Barthes, entre outros? Será que devemos deixar de lado algumas questões apenas porque a linguagem utilizada não é agradável? Será que ficamos incomodados quando Édouard Louis aponta para o autoritarismo e para a desigualdade econômica que reveste o capitalismo contemporâneo?
Tu
le connais, lecteur, ce monstre délicat / – Hypocrite lecteur, – mon semblable,
– mon frère!, escreveu Charles Baudelaire, como uma advertência para aqueles
que preferem conviver com o monstro do que o combater. Claro, poucos tem o
perfil de Perseu. É mais fácil desdenhar aqueles que se armam de coragem para
enfrentar a Medusa.
Grata por sua análise sobre: ÉDOUARD LOUIS
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