Mudaram o ponto do ônibus. Está uns 60 metros mais longe. Difícil entender. Isso não impede que se possa imaginar um possível motivo. A concessionária de carros de luxo, próxima do antigo ponto, é a principal suspeita. Ferrari, Porsche e BMW nunca combinaram com os problemas econômicos da população. Alguém deve ter pensado que facilitar o fluxo do dinheiro compensa deslocar os usuários do transporte público. Quem se importa se aqueles que possuem dificuldade para caminhar vão precisar se adaptar à nova situação? Sair de casa cinco minutos mais cedo. Atravessar a primeira faixa da avenida e a ponte. Esperar o semáforo fechar. Olhar para os dois lados antes de atravessar a outra faixa da avenida. Todo cuidado é pouco. O perigo está sempre na espreita. Enfrentar a calçada esburacada. Olhar por onde pisa. Desviar das poças d’água que estão no meio do caminho. Evitar chegar ao ponto do ônibus e ver o ônibus ir embora sem você. Evitar ter que correr os últimos metros. Evitar ficar sem fôlego. Limpar o suor do rosto. Esperar que o ônibus não esteja atrasado. Esperar que o ônibus não esteja cheio. Sonhar em viajar sentado até o Centro da cidade. Nem sempre isso é possível. Raramente é. Embarcar no primeiro ônibus que passar. Superar a barreira que chamam de catraca. Olhar para os outros passageiros e não ver. Procurar por algum lugar desocupado. Alguém está falando alto no celular. Relata alguma desgraça familiar. E não se importa em compartilhar a história com os outros passageiros. As complicações de estar dentro do ônibus, separado do que existe lá fora. A vida (ávida) escorre pelas janelas do ônibus. Fotogramas desfocados, descartáveis. Imagens que se desfazem a todo instante. Lições da transitoriedade. Um desses solavancos que assustam quando o ônibus precisa frear para não se chocar com outro veículo. Sempre existe o risco de acontecer o inesperado. Em algum momento o trânsito deixa de se movimentar. O mundo em suspensão. Pode ser por apenas alguns segundos. Depois, a aceleração. O mundo em movimento. O terminal de ônibus se aproxima. Faltam apenas duas quadras. O distante e o perto se confundem. O motorista do ônibus não tem dificuldades em seguir a rota pré-estabelecida. Basta virar à esquerda e seguir em frente. Vários passageiros se levantam dos assentos. Um sentimento irracional parece mover todos na direção da saída. Querem deixar o ônibus o mais rápido possível. O que parecia segurança se transforma em agonia. Muitos se desesperam com o tempo que o ônibus leva para estacionar. Sentem que o agora demora uma eternidade. Muitos ficam aliviados quando pisam em terra firme. Encontram a fórmula mágica que permite dissolver o estresse. E que permite que o ar circule livremente pelos pulmões. Em sentido oposto, na calçada do terminal, algumas pessoas querem entrar no ônibus instantaneamente. Querem garantir um lugar para sentar. Querem ter certeza de que vão poder ir para casa ou para o trabalho. O ciclo recomeça. A porca, a arruela e o parafuso apertam um pouco mais o existir.
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