Lis
e Erica são irmãs. Olivia e Nora são irmãs. Depois do suicídio de Carmen, a
avó, as quatro mulheres recebem como herança uma casa enorme na periferia de um
vilarejo em Castilla. As primas possuem afinidades – as irmãs, não.
Com
esse conjunto complexo de elementos, Aixa de La Cruz construiu um romance que
se concentra em algumas das sutilezas que compõem o relacionamento entre
pessoas diferentes. São esses detalhes da trama que se destacam em uma
narrativa que mistura narrador onisciente e monólogos interiores. Dividido em
sete partes, cada uma com quatro capítulos curtos, em alguns momentos o leitor
confunde as vozes narrativas – há uma certa complexidade que se soma aos poucos
diálogos. Uma vez vencido esse obstáculo, a leitura se torna fluída.
Inicialmente,
o texto parece propor descobrir o motivo do suicídio da avó. Poucas páginas
depois, o leitor percebe que esse é um detalhe menor, uma desculpa para
analisar a tensão que existe no ambiente familiar – as mulheres foram beneficiadas
(ou amaldiçoadas) por algo mais do que um pedaço da casa (organismo vivo,
místico, encantatório).
No
tempo em que as quatro mulheres dividem o mesmo espaço físico ocorrem muitas coisas. Elas se transformam,
se aproximam umas das outras, adquirem forças para enfrentar o mundo hostil (o
marido tóxico, o traficante, o possível estuprador, as inúmeras contradições da convivência
humana). Sem que percebam ou concordem, segredos são revelados, as crises aparecem/desaparecem,
encontram acolhimento. Nessa sororidade (muitas vezes agressiva), (...) os
pontos soltos se juntam sozinhos. Finalmente [se] entende onde estão,
quem são e o que vai acontecer dali em diante. Não é o [desejado], mas é
a única coisa que faz sentido.
No
espaço externo, entre a horta e as outras casas da vila (inclusive as que estão
abandonadas), o contato com a natureza prevalece. É possível que a avó ausente
(embora sua presença possa ser sentida a todo instante em cada objeto, em cada
peça da casa, em alguns sonhos), um pouco antes do seu encontro com a morte, como
compete às pessoas que possuem o dom xamânico de entender a linguagem das plantas
medicinais e/ou alucinógenas, tenha traçado (ou imaginado) o destino das quatro
mulheres. Tanto mistério de um lado e tanta realidade irredutível de outro
sem que os planos se comuniquem, sem que alguém possua uma chave de
interpretação.
A
energia que emerge a todo instante, modificando atitudes, induzindo ações,
promovendo o aprendizado, de certa forma, se aproxima do sobrenatural. Aprender
é recordar. E recordar é entender agora o que ignorava um instante atrás. São
essas estruturas (físicas, mentais, religiosas ou imaginárias) que produzem pouco
a pouco (...) [alguns] truques de sobrevivência.
Quando
Olivia percebe que está triste, mas que a tristeza é uma emoção calma, conclui
que prefere a tristeza à raiva. E sabe que, ontem mesmo, teria lidado com
essa descoberta com raiva. Nessa mudança de postura, o ontem não existe
mais porque, assim como a raiva (sentimento agressivo, próprio daqueles que
preferem brigar), não se enquadra na serenidade proposta pela casa onde as
quatro mulheres descobrem a importância de estar juntas e em paz. Provavelmente,
Carmem aprovaria esse entendimento.
As
Herdeiras (Editora DBA. Tradução de Marina Waquil) é leitura
para quem tem espírito de aventura.
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