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quarta-feira, 21 de maio de 2025

AS HERDEIRAS

 


Lis e Erica são irmãs. Olivia e Nora são irmãs. Depois do suicídio de Carmen, a avó, as quatro mulheres recebem como herança uma casa enorme na periferia de um vilarejo em Castilla. As primas possuem afinidades – as irmãs, não.

Com esse conjunto complexo de elementos, Aixa de La Cruz construiu um romance que se concentra em algumas das sutilezas que compõem o relacionamento entre pessoas diferentes. São esses detalhes da trama que se destacam em uma narrativa que mistura narrador onisciente e monólogos interiores. Dividido em sete partes, cada uma com quatro capítulos curtos, em alguns momentos o leitor confunde as vozes narrativas – há uma certa complexidade que se soma aos poucos diálogos. Uma vez vencido esse obstáculo, a leitura se torna fluída.

Inicialmente, o texto parece propor descobrir o motivo do suicídio da avó. Poucas páginas depois, o leitor percebe que esse é um detalhe menor, uma desculpa para analisar a tensão que existe no ambiente familiar – as mulheres foram beneficiadas (ou amaldiçoadas) por algo mais do que um pedaço da casa (organismo vivo, místico, encantatório).

No tempo em que as quatro mulheres dividem o mesmo espaço físico ocorrem muitas coisas. Elas se transformam, se aproximam umas das outras, adquirem forças para enfrentar o mundo hostil (o marido tóxico, o traficante, o possível estuprador, as inúmeras contradições da convivência humana). Sem que percebam ou concordem, segredos são revelados, as crises aparecem/desaparecem, encontram acolhimento. Nessa sororidade (muitas vezes agressiva), (...) os pontos soltos se juntam sozinhos. Finalmente [se] entende onde estão, quem são e o que vai acontecer dali em diante. Não é o [desejado], mas é a única coisa que faz sentido.

No espaço externo, entre a horta e as outras casas da vila (inclusive as que estão abandonadas), o contato com a natureza prevalece. É possível que a avó ausente (embora sua presença possa ser sentida a todo instante em cada objeto, em cada peça da casa, em alguns sonhos), um pouco antes do seu encontro com a morte, como compete às pessoas que possuem o dom xamânico de entender a linguagem das plantas medicinais e/ou alucinógenas, tenha traçado (ou imaginado) o destino das quatro mulheres. Tanto mistério de um lado e tanta realidade irredutível de outro sem que os planos se comuniquem, sem que alguém possua uma chave de interpretação.

A energia que emerge a todo instante, modificando atitudes, induzindo ações, promovendo o aprendizado, de certa forma, se aproxima do sobrenatural. Aprender é recordar. E recordar é entender agora o que ignorava um instante atrás. São essas estruturas (físicas, mentais, religiosas ou imaginárias) que produzem pouco a pouco (...) [alguns] truques de sobrevivência.

Quando Olivia percebe que está triste, mas que a tristeza é uma emoção calma, conclui que prefere a tristeza à raiva. E sabe que, ontem mesmo, teria lidado com essa descoberta com raiva. Nessa mudança de postura, o ontem não existe mais porque, assim como a raiva (sentimento agressivo, próprio daqueles que preferem brigar), não se enquadra na serenidade proposta pela casa onde as quatro mulheres descobrem a importância de estar juntas e em paz. Provavelmente, Carmem aprovaria esse entendimento.

As Herdeiras (Editora DBA. Tradução de Marina Waquil) é leitura para quem tem espírito de aventura.  


Aixa de La Cruz

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