Lá
onde cruzo com a modernidade, e meu pensamento passa como um raio, a pedra no
caminho é o time que você tira de campo.
casablanca
Te
acalma, minha loucura!
Veste
galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Esse
som de serra de afiar as facas não chegará nem perto do meu canteiro de
taquicardias...
Essas
molas a gemer no quarto ao lado
Roberto
Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O
cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no cinema...
As
chaminés espumam pros meus olhos
As
hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os
tamancos e os sinos me acordam depressa na madrugada feita de binóculos de
gávea e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano
Olho
muito tempo o corpo de um poema
até
perder de vista o que não seja corpo
e
sentir separado dentre os dentes
um
filete de sangue
nas
gengivas
samba-canção
Tantos
poemas que perdi.
Tantos
que ouvi, de graça,
pelo
telefone – tai,
eu
fiz tudo pra você gostar,
fui
mulher vulgar,
meia-bruxa,
meia-fera,
risinho
modernista
arranhado
na garganta,
malandra,
bicha,
bem
viada, vândala,
talvez
maquiavélica,
e
um dia emburrei-me,
vali-me
de mesuras
(era
uma estratégia),
fiz
comércio, avara,
embora
um pouco burra,
porque
inteligente me punha
logo
rubra, ou ao contrário, cara
pálida
que desconhece
o
próprio cor-de-rosa,
e
tantas fiz, talvez
querendo
a glória, a outra
cena
à luz de spots,
talvez
apenas teu carinho,
mas
tantas, tantas fiz...
Noite
de Natal.
Estou
bonita que é um desperdício.
Não
sinto nada
Não
sinto nada, mamãe
Esqueci
Menti
de dia
Antigamente
eu sabia escrever
Hoje
beijo os pacientes na entrada e na saída
com
desvelo técnico.
Freud
e eu brigamos muito.
Irene
no céu desmente: deixou de
trepar
aos 45 anos
Entretanto
sou moça
estreando
um bico fino que anda feio,
pisa
mais que deve,
me
leva indesejável pra perto das
botas
pretas
pudera
“nestas
circunstancias o beija-flor vem sempre aos milhares”
Este
é o quarto Augusto. Avisou que vinha. Lavei os sovacos e os pezinhos. Preparei
o chá. Caso ele me cheirasse... ai que enjoo me dá o açúcar do desejo.
Inverno
europeu
Daqui
é mais difícil: país estrangeiro, onde o creme de leite é desconjunturado e a
subjetividade se parece com um roubo inicial. Recomendo cautela. Não sou
personagem do seu livro e nem que você queira não me recorta no horizonte
teórico da década passada. Os militantes sensuais passam a bola: depressão
legítima ou charme diante das mulheres inquietas que só elas? Manifesto: segura
a bola; eu de conviva não digo nada e indiscretíssima descalço as luvas (no
máximo), à direita de quem entra.
mocidade
independente
Pela
primeira vez infringi a regra de ouro e voei pra cima sem medir as
consequências. Por que recusamos ser proféticas? E que dialeto é esse para a
pequena audiência de serão? Voei pra cima: é agora, coração, no carro em fogo
pelos ares, sem uma graça atravessando o estado de São Paulo, de madrugada, por
você, e furiosa: é agora, nesta contramão.
Sem
você bem que sou lago, montanha.
Penso
num homem chamado Herberto.
Me
deito a fumar debaixo da janela.
Respiro
com vertigem. Rolo no colchão.
E
sem bravata, coração, aumento o preço.
cabeceira
Intratável.
Não
quero mais pôr poemas no papel
nem
dar a conhecer minha ternura.
Faço
ar de dura,
muito
sóbria e dura,
não
pergunto
“da
sombra daquele beijo
que
farei?”
É
inútil
ficar
à escuta
ou
manobrar a lupa
da
adivinhação.
Dito
isso
o
livro de cabeceira cai no chão.
Tua
mão que desliza
distraidamente?
sobre
a minha mão
Ana
Cristina Cruz Cesar (1952-1983): poeta, crítica
literária, tradutora, professora. Fez parte da Geração Mimeógrafo –
também chamada de Poesia Marginal (década de 1970). Sua poesia
caracteriza-se pelo tom confessional misturado com referências literárias.
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