
O dublê de músico, apresentador de
televisão e escritor Tony Bellotto iniciou a carreira literária com três
romances policiais (Belini e a Esfinge, Bellini e o Demônio e Bellini e os
Espíritos). Apesar de boa recepção por parte de alguns leitores e a adaptação
do primeiro para o cinema, nenhum deles pode ser considerado obra-prima. Inclusive
porque especialistas nesse gênero literário detectaram significativas
influências de Raymond Chandler e Dashiell Hammett – o que indica que Bellotto parece
ter dificuldade para perceber que a narrativa de mistério evoluiu e, mais
importante, superou algumas fórmulas prontas.
Seja porque o filão esgotou, seja porque
preferiu explorar novas possibilidades, Bellotto mudou a trajetória de trabalho
– e investiu em outro tipo de abordagem narrativa. Para surpresa geral, a comédia
(ou tragédia) de costumes Machu Picchu possui aspirações elevadas. Com
bisturi afiado pelas sutilezas técnicas (capítulos curtos, que entrecortam a
narrativa, controle descritivo, poucos diálogos e narradores alternados), quer
dissecar o drama familiar.
O texto flui suavemente. Tão suave que
até engana. Como a mentira possui perna curta, a ilusão não consegue chegar até
a esquina. Uma leitura mais atenta desfaz a cortina de fumaça e restabelece o
básico. Ou melhor, revela o artificialismo. O domínio da carpintaria narrativa
não é suficiente para efetivar um salto de qualidade – aquele plus que
separa o talento do esforço. Inclusive porque (como é de conhecimento amplo,
geral e irrestrito) o inferno está repleto de escritores esforçados.
O nome famoso na capa aveludada e ilustrada
por montagem fotográfica modernosa agrega valor às 114 páginas da narrativa –
que está concentrada em um único dia. Dia de cão. Desses que, ao longo do lento
escorrer dos minutos, acumulam desacertos e revelações absurdas. E permitem que
o insuportável assuma a cena.
A substância narrativa vai sendo diluída
pelo superficial, pelo anedótico. Zé Roberto e Chica se conhecem durante a
ECO-92, comprovando o quanto é caricata a história desses personagens que
recusam aceitar a vida adulta, que preferem (re)viver a história de Peter Pan –
através da ecologia ou do infantilismo ideológico.
Alguns dos defeitos do texto são
encobertos por palavrões e cenas picantes. Chica não poupa a si mesma ao
relatar que Helinho, o amante, prefere a sodomia. Zé Roberto, apaixonado por
uma fantasia sexual (W19), é fotografado se masturbando diante do computador. Rodrigo
(filho do casal, maconheiro profissional) constrói paraísos artificiais. O
quarto personagem da trama, Claudinha (filha de Zé Roberto e da ex-top model
Beti Schnaider, namorada de um pagodeiro), não passa de um elemento decorativo –
cuja participação no enredo serve apenas para exemplificar o eterno preconceito
das elites contra os negros.
Diante da impossibilidade de enumerar
todos os clichês, resta o espanto proposto pelo desfecho inverossímil. A catarse
coletiva – que imita as novelas radiofônicas dos anos 50 – não esclarecer a
trama, não propõe algo novo. Não produz humor ou inteligência. Apenas encerra,
de maneira grotesca, Machu Picchu.
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