Páginas

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O CROCODILO

Milhares de componentes do brinquedo Lego estão espalhados pelo chão do apartamento. Os meninos Andrea (nove anos) e Giacomo (sete anos) estão procurando por uma peça minúscula – que não está lá.


Essa aparente trivialidade talvez seja uma das muitas metáforas que estruturam o magistral O Crocodilo (Il Caimano. Dir. Nanni Moretti, 2006), filme-síntese de um país, a Itália, que, como diz um dos personagens, Jerzy Sturovski (interpretado por Jerzy Stuhr), é um povo dividido entre o horror e o folclore.


A estrutura narrativa de O Crocodilo, um filme dentro de outro filme, tem como fio condutor Silvio Berlusconi – político que pode ser definido através da mistura do horror com o folclore.

O protagonista de O Crocodilo, Bruno Bonomo (Silvio Orlando), embora seja um “bom homem”, não passa de um produtor de cinema patético, vivendo grandes crises. Completamente falido, se alimenta do passado, de um tempo que nunca mais se repetirá. O seu casamento está desmoronando. Com a mesma violência de uma cadeira que cai e assusta a todos com o barulho, não consegue controlar a obsessão amorosa. A falta de esperança tornar-se visível a todo instante.

Esse comportamento descompensado é que o faz voltar os olhos ao presente e à vida. Certo dia, quando comparece à exibição de um dos seus filmes, recebe um roteiro. Impossibilitado de filmar uma das histórias de terror que adora, sem vontade de produzir um script sobre Cristóvão Colombo, lê algumas páginas do texto e decide levar adiante o projeto. Por diversos motivos, inclusive a falta de percepção política, não entende que está trocando a ficção pela realidade. Quando descobre o tema que movimenta o novo empreendimento, além de provocar um acidente de trânsito, fica histérico e diz para Teresa (Jasmine Trinca), a jovem diretora que lhe entregou o manuscrito: Filme político, de esquerda. Há 30 anos eu odiava isso, imagine agora. Falta convicção nesse argumento – sobra medo de se comprometer com alguma observação crítica.

Os tempos são outros. A corrupção tomou conta da Itália. As atividades políticas, econômicas e sociais de Berlusconi representam a decadência do país. Controlando emissoras de televisão, rádios e jornais, ele se julga acima do bem e do mal. Uma nova forma de fascismo se estrutura, corrompe e seduz – evidência comprovada pelos resultados de inúmeras eleições. 

O cinema se transforma em elemento de redenção emocional. Bruno, enquanto enfrenta os múltiplos problemas que acompanham a produção cinematográfica (financiamento, estrelismo dos atores, mentiras, crises criativas), vai adquirindo consciência de que a vida dos indivíduos está atrelada ao mundo exterior.

Por conta dos problemas financeiros, Bruno transformou algumas dependências da produtora em residência provisória. Quando precisa passar algum tempo com os filhos leva-os a um hotel. Pai amoroso, ajuda nos deveres escolares, conta histórias de terror antes dos meninos dormirem, joga futebol com eles, monta barraca de acampamento no meio da sala, leva-os ao set de filmagem. Estabelece uma cumplicidade inquebrantável.

Assim como o brinquedo das crianças fica inacabado por falta de uma peça, a vida dos adultos também precisa de algum elemento que está perdido. Talvez seja a política, talvez seja a fantasia. O Crocodilo ajuda a entender essa carência.
Nanni Moretti dirigiu, entre outros filmes, Caro Diário (1994), Abril (1998), O Quarto do Filho (2000) e Habemus Papam (2011).

Nenhum comentário:

Postar um comentário