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terça-feira, 13 de outubro de 2015

TUDO QUE É

Quando James Salter (nascido James Horowitz) morreu, em 19 de junho de 2015, aos 90 anos de idade, poucas pessoas – inclusive aquelas que estudam literatura – perceberam a extensão da perda. Salter nunca foi o artista que os publicitários chamam de pop star. E isso significa que não costumava frequentar as listas de best-sellers das revistas semanais. Melhor assim. A qualidade raramente é encontrada nas gôndolas dos supermercados. Em compensação, Salter foi aclamado por escritores como Saul Bellow, Philip Roth, Susan Sontag e Richard Ford – que o consideravam como um dos grandes escritores estadunidense do século XX. A literatura de Salter se caracteriza pela concisão, pelo estilo e pela ausência de malabarismos literários. As suas frases se desenvolvem naturalmente, evitando o excesso ou as dificuldades de expressão. Preocupado com a linguagem – instrumento primordial para quem quer contar uma boa história –, procurava rejeitar o protagonismo como elemento fundamental da dinâmica narrativa. Englobando um número significativo de elementos, temas e personagens, construiu painéis sociais, ou melhor, um conjunto de minúcias afetivas e amorosas. É como se quisesse afirmar que a magia literária precisa estar conectada com o lirismo e a elegância.

Tudo que é, o último livro de James Salter, na falta de uma expressão melhor, pode ser descrito como um impressionante tour de force. Enquanto descreve o glamour e os fracassos que acompanham a vida intelectual e amorosa de Philip Bowman, um editor de razoável sucesso em Nova York, o romance produz incansável encadeamento dos acontecimentos narrativos. Havia também o dom da conversa, a história de tudo, contada e recontada, até se saber de tudo, das famílias e dos nomes. Sentavam-se em varandas sombreadas à tarde ou à noitinha e falavam devagar, com voz misteriosa, das coisas que haviam acontecido e com quem, explica o narrador (terceira pessoa, inominado, onisciente, onipresente), sublinhando a necessidade de interligar diversas histórias para fornecer um desenho ficcional substancial. Ao mesmo tempo, procura avisar ao leitor que a vida está repleta de insignificâncias e grandes traumas, de bobagens e crueldades profundas. Essa perspectiva fornece uma camada de entendimento muito particular para dramas que muitas vezes desaparecem em meio a outros tumultos.

Oscilando entre a glória e a iniquidade, a vida de Philip Bowman se divide entre o trabalho editorial e as mulheres por quem se apaixona. Infelizmente, na medida em que a vida vai deslizando na direção do futuro, vários desses relacionamentos resultam em colapso afetivo. Em algumas oportunidades, Philip prefere fechar os olhos e deixar que a dor desapareça com o tempo. Em outras, como quando é traído por Christiane, adota medidas desesperadas. Nos dois casos, não há surpresas quando se mostra arrependido. O comportamento humano poucas vezes se pauta pela reflexão e pelo bom senso.

Como narrativa complementar, Tudo que é relata a tragédia de Neil Eddins (companheiro de trabalho de Bowman), instante de horror que não oferece qualquer compensação para a perda familiar. Provavelmente são as páginas mais tristes do romance.

Tudo que é, mais do que um romance escrito com sensibilidade e talento, celebra a nobre arte de contar histórias – ou compartilhar experiências, segundo o filósofo Walter Benjamin. Poucas coisas se igualam a esse prazer.



Além de Tudo que é, alguns dos livros de James Salter foram publicados no Brasil: o volume de memorias Dias Intensos (Imago, 2000), o romance Um Esporte e um Passatempo (Imago, 1997) e os contos de Última Noite (Companhia das Letras, 2008). 

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