Quando James Salter (nascido James
Horowitz) morreu, em 19 de junho de 2015, aos 90 anos de idade, poucas pessoas –
inclusive aquelas que estudam literatura – perceberam a extensão da perda.
Salter nunca foi o artista que os publicitários chamam de pop star. E isso
significa que não costumava frequentar as listas de best-sellers das revistas semanais. Melhor
assim. A qualidade raramente é encontrada nas gôndolas dos supermercados. Em
compensação, Salter foi aclamado por escritores como Saul Bellow, Philip Roth,
Susan Sontag e Richard Ford – que o consideravam como um dos grandes escritores estadunidense
do século XX. A literatura de Salter se caracteriza pela concisão, pelo estilo e
pela ausência de malabarismos literários. As suas frases se desenvolvem
naturalmente, evitando o excesso ou as dificuldades de expressão. Preocupado com
a linguagem – instrumento primordial para quem quer contar uma boa história –,
procurava rejeitar o protagonismo como elemento fundamental da dinâmica
narrativa. Englobando um número
significativo de elementos, temas e personagens, construiu painéis sociais, ou
melhor, um conjunto de minúcias afetivas e amorosas. É como se quisesse afirmar
que a magia literária precisa estar conectada com o lirismo e a elegância.
Tudo que é, o último livro de James
Salter, na falta de uma expressão melhor, pode ser descrito como um
impressionante tour de force. Enquanto descreve o glamour e os fracassos que
acompanham a vida intelectual e amorosa de Philip Bowman, um editor de razoável
sucesso em Nova York, o romance produz incansável encadeamento dos
acontecimentos narrativos. Havia também o dom da conversa, a história de tudo,
contada e recontada, até se saber de tudo, das famílias e dos nomes.
Sentavam-se em varandas sombreadas à tarde ou à noitinha e falavam devagar, com
voz misteriosa, das coisas que haviam acontecido e com quem, explica o
narrador (terceira pessoa, inominado, onisciente, onipresente), sublinhando a
necessidade de interligar diversas histórias para fornecer um desenho ficcional
substancial. Ao mesmo tempo, procura avisar ao leitor que a vida está repleta
de insignificâncias e grandes traumas, de bobagens e crueldades profundas. Essa
perspectiva fornece uma camada de entendimento muito particular para dramas que
muitas vezes desaparecem em meio a outros tumultos.
Oscilando entre a glória e a iniquidade,
a vida de Philip Bowman se divide entre o trabalho editorial e as mulheres por
quem se apaixona. Infelizmente, na medida em que a vida vai deslizando na
direção do futuro, vários desses relacionamentos resultam em colapso afetivo. Em
algumas oportunidades, Philip prefere fechar os olhos e deixar que a dor
desapareça com o tempo. Em outras, como quando é traído por Christiane, adota medidas
desesperadas. Nos dois casos, não há surpresas quando se mostra arrependido. O
comportamento humano poucas vezes se pauta pela reflexão e pelo bom senso.
Como narrativa complementar, Tudo que
é relata a tragédia de Neil Eddins (companheiro de trabalho de Bowman),
instante de horror que não oferece qualquer compensação para a perda familiar.
Provavelmente são as páginas mais tristes do romance.
Tudo que é, mais do que um romance
escrito com sensibilidade e talento, celebra a nobre arte de contar histórias –
ou compartilhar experiências, segundo o filósofo Walter Benjamin. Poucas coisas
se igualam a esse prazer.
Além de Tudo que é, alguns dos livros
de James Salter foram publicados no Brasil: o volume de memorias Dias
Intensos (Imago, 2000), o romance Um Esporte e um Passatempo (Imago, 1997) e
os contos de Última Noite (Companhia das Letras, 2008).
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