A curiosidade acompanha a leitura. A
escolha do leitor por um livro depende de muitos fatores. Se houver algum
“plus” agregado ao texto, as opções se tornam mais fáceis. E isso significa,
para o bem e para o mal, que a publicidade sempre faz parte da equação.
Enfim, Capivaras, romance
infanto-juvenil ou para jovens adultos ou qualquer classificação que lhe caiba
na (des)ordem do mundo literário, escrito por Luisa Geisler, foi impedido de participar da
Feira do Livro de Nova Hartz, um pacato lugarejo do interior do Rio Grande do
Sul (uns 21 mil habitantes). Além de cancelarem a participação da escritora,
alegaram que a narrativa era inadequada para jovens: em especial pela
linguagem.
Parece que os puritanos de plantão não
gostaram de ler sobre as aventuras noturnas de cinco jovens entediados (Vanessa,
Denis, José Luís, Leopoldo, Nicole), quer dizer, seis adolescentes, pois a
presença de Amanda também está projetada na escuridão da noite. Em cidades
pequenas, onde as opções de lazer são escassas, cabe à imaginação estabelecer
lugares e afazeres que ajudem a eliminar o tédio, que reduzam a mesmice em – no
mínimo – alguma história para contar em tempo futuro.
Quatro dos personagens resolvem
desmascarar o mentiroso da turma. A gota d’água ocorre quando Binho (apelido de
Denis) informa que possui uma capivara de estimação. Confrontado, o rapaz afirma
que o animal fugiu. Evidentemente, essa explicação banal não convence. Como uma
coisa puxa outra, os cinco saem a procurar do mamífero. Antes, como cabe aos
aventureiros destemidos, passam em um supermercado e fazem algumas compras
(salgadinhos, bolos, doces, coca-cola, vodka).
E o que acontece depois? Nada. Nada que seja
estranho a esse tipo de situação. Um pequeno acidente de carro (ninguém ficou
ferido), várias discussões, alguns acertos de contas e o estreitamento dos
laços afetivos. Entre
mortos e feridos todos conseguem atravessar a noite e ver o nascer do sol sem
grandes danos físicos e psicológicos.
Se o livro segue esse tom, uma jornada
pelos caminhos nem sempre lineares da amizade, qual é o problema de linguagem
apontado pelos organizadores da Feira de Nova Hartz? Difícil saber. Talvez o
moralismo provinciano não tenha uma compreensão objetiva do que significa, na
modernidade, a necessidade do lazer como uma válvula de escape para a opressão social
(relações familiares, estudo, trabalho). Talvez o valor da “linguagem” esteja
na representação social de um modo de vida que as aparências sociais nem sempre
querem admitir. O “real” assusta – principalmente aos que carregam o fardo da
infelicidade.
Os palavrões, o uso descontrolado do álcool,
a discussão (muito tênue) sobre sexualidade, o desnível econômico entre o filho
do patrão e o filho da empregada, a sobrevivente do divórcio dos pais, o furto da capivara, o
menino dirigindo sem CNH, constituem um esboço sutil (embora perceptível) da
divisão social que projeta o cenário em que os personagens se movem. Ou melhor,
do mundo em que os censores habitam. E eles, os censores, não gostaram de ver o
reflexo no espelho.
P.S: em relação à estrutura textual, Enfim,
Capivaras está dividido em vários capítulos curtos. Os diversos personagens
(exceto Binho e Amanda) se revezam na narração, fornecendo um dinamismo que
aumenta o interesse do leitor.
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