Cassandra (Κασσάνδρα), pitonisa grega que tinha o poder de escutar as vozes dos deuses, foi amaldiçoada por Apolo (Ἀπόλλων) – após rechaçar uma proposta amorosa. Considerada louca, ninguém acreditava em suas profecias.
Como a vida não se resume em prazeres e felicidade, ao longo dos séculos da história humana muitos mensageiros foram desacreditados ou mortos porque não conduziam bons presságios. O objeto do desejo costuma trafegar pelos devaneios produzidos pelo imaginário. O usual é inventar o inimigo, ou seja, reagir agressivamente diante de qualquer bloqueio à produção do gozo.
Em cena de Rei Lear (William Shakespeare), o Bobo da Corte adverte ao governante que Não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio. Esse é um dos maiores impasses que emolduram a vida social contemporânea. Envelhecer não significa adquirir – de forma automática – a sabedoria. Muitas vezes é o contrário. Principalmente quando os indivíduos, no processo de decisão, abandonam a leveza, a delicadeza e o bom senso.
Os troianos, depois de resistirem durante dez anos às investidas gregas, foram destruídos por uma trapaça. Poderiam ter aprendido alguma coisa com o cerco promovido pelos habitantes da península helênica e, de certa forma, se preparado para resistir outra década. Não foi isso o que aconteceu.
Cassandra previu que as muralhas da cidade jamais seriam ultrapassadas. Consequentemente, Ílion (um dos nomes de Troia) poderia ser invadida de outra forma. Estava com a razão – mas nenhum troiano confiou nesse vaticínio. Os gregos, cansados de uma luta que parecia não ter fim, resolveram a questão com um golpe tático. Ou melhor, encontraram um ponto fraco do esquema defensivo. Homero conta que um enorme cavalo de madeira foi deixado na porta da cidade. Acreditando que era uma homenagem à deusa Atena (Αθηνά) e que, de certa maneira, isso constituía um gesto de rendição, os troianos levaram o troféu para dentro da cidade.
Foi Odisseu (Οδυσσεύς) quem sugeriu a armadilha. Ao anoitecer, as portas da cidade foram abertas pelo grupo de soldados que estava escondido dentro do cavalo de madeira.
A astúcia venceu. Como costuma acontecer diariamente poucos indivíduos conseguem entender a obviedade, o que está ao alcance dos olhos. O horizonte, com suas promessas e delírios, tem um poder de sedução difícil de ser evitado. Nesse universo, que nega as questões mais elementares, Cassandra constitui uma ameaça. Ao avisar sobre o perigo iminente e que é preciso tomar cuidado com o que aparenta ser tranquilidade, rompeu a redoma de ingenuidade que os troianos construíram em torno de si mesmos. Causou desconforto e repulsa.
O tempo produz acomodação. Os indivíduos envelhecem, não adquirem discernimento do que é essencial e, paradoxalmente, passam a acreditar que ficarão impunes. Esquecem que Tisifone (Castigo), Megera (Rancor) e Alecto (Inominável) – as Erínias (Ἐρινύες) – personificam a vingança, não tiram férias e estão sedentas de sangue.
O mito de Cassandra não perdeu a
atualidade, embora o exercício das profecias esteja com baixa cotação na bolsa
de valores das ilusões descartáveis. O autoengano (que paga bons dividendos ao acionista) nega o desastre e prefere se
deslocar pela estrada pavimentada pela cultura narcísica. Sem tomar
conhecimento de que o Outro também está agindo, e consequentemente, mudando o
cenário em que os fatos ocorrem, os mal-informados provavelmente se transformarão em vítimas do cavalo de Troia.
Bela reflexão.
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