As baixas temperaturas que estão ocorrendo no sul do Brasil promoveram o recordar de uma história que li em tempo distante, provavelmente nas reminiscências de algum brasileiro exilado em Europa no período da ditadura militar (Alfredo Sirkis, Fernando Gabeira, Herbert Daniel ou algum outro personagem envolto na névoa da memória).
Morando em Paris, ou em alguma cidadezinha próxima, o sujeito recebeu a visita da concierge, que estava furiosa. O motivo da admoestação soou surrealista: ele estava tomando banho duas vezes ao dia. E isso era um absurdo. Será que estava querendo produzir uma infiltração no prédio? Diante da negativa, foi advertido para parar com esse desperdício.
A ablutofobia (aversão ao banho) costuma acompanhar o folclore. Dizem que os franceses incentivaram o desenvolvimento da indústria que mascara os odores do corpo. Penso que isso não deve ser muito verossímil, embora os estudiosos da Idade Média não reportem aos seus leitores fragrâncias de rosas e flores silvestres. Ao contrário, há descrições de dejetos lançados em vias públicas, além de cadáveres que apodrecem em ar livre. Alguém, com espírito civilizatório, decidiu que o mundo em decomposição necessitava ser atenuado. Esse é o objetivo do uso indiscriminado de aromatizantes, cosméticos e perfumes. No romance alemão O Perfume (Patrick Süsskind) esse universo está razoavelmente representado.
Em sentido contrário, o imaginário de alguns segmentos europeus está escorado na ideia de que, a cada onda de calor, os brasileiros mergulham no rio mais próximo. Talvez essa fosse uma possibilidade real no tempo da colonização, com as populações originárias. Com os atuais índices de poluição produzidos pelo homem branco, não se pode desprezar o risco de contrair algum tipo de doença de pele (no mínimo). Aliás, essa imagem aquática se comprova equivocada quando contrastada com a evidente falta de campeões de natação.
Recentemente, um amigo declarou ter diminuído os cuidados com a limpeza corporal. Disse que o frio e o aumento da tarifa de energia elétrica o obrigaram a tomar tal atitude. E que lavar apenas os pés muitas vezes equivale a um banho completo. Sem saber se essa declaração era uma piada ou uma confissão de culpa, preferi fingir que a versão modernosa do Sujismundo (personagem televisivo muito popular nos anos 70) não me causou a necessidade urgente de tapar o nariz.
Simultaneamente, lembrei-me daqueles que moram no interior do município e que não dispõem de água encanada. No máximo, um poço artesiano, muitas vezes centenas de metros distante da casa. A solução é banho de bacia, a água aquecida no fogão de lenha, e que precisa ser aproveitada com rapidez e eficiência antes que esfrie, antes que cause um resfriado. Creio que chamavam isso de banho tcheco, mas não sei o porquê dessa denominação. Em paralelo, há uma variante que é chamada, pavorosamente, de banho feijoada (pés, orelha e rabo). Por algum motivo que foge ao entendimento, inexiste nesses lugares o uso de similares ao ofurô, que é uma espécie de banheira japonesa, e que parece ser um recurso adequado para os momentos de limpeza geral.
Enfim, o Brasil convive com muitos problemas de asseio (de vários tipos, matizes e odores). E, infelizmente, muitas sujeiras costumam ser escondidas embaixo do tapete, talvez para que o poder possa fingir que tudo está bem, que tudo está controlado.
De minha parte, sigo, por enquanto, cantando no chuveiro. Duas vezes por dia. Desafinado, como corresponde aos bons selvagens.
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