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sábado, 11 de dezembro de 2021

PORQUE TEMOS O DIREITO DE SONHAR

 


Na pátria de chuteiras, sempre fui um perna-de-pau. No colégio era o último a ser escalado nas aulas de educação física. Alguns companheiros de time ficavam irritados por ter que me aceitar na equipe. Diziam que estavam recebendo um estorvo, alguém que, em algum momento, cometeria um erro grave (desses que resultam na perda da partida). Não é possível negar, aconteceu – umas duas vezes, talvez mais, não sei, o inconsciente bloqueou esse tipo de lembranças. Inclusive porque, naquelas circunstâncias, a honra da senhora minha mãe foi agraciada com doses exageradas de carinho.


Em algum momento, desisti do futebol. Infelizmente, nunca consegui me separar do esporte. Durante alguns anos precisei acompanhar os jogos de futebol de salão do filho. Foram partidas sofridas, nas manhãs de sábado e domingo. Muitas vezes saímos de casa antes das sete da manhã – embora o confronto só acontecesse lá pelas dez horas. Bocejando, vi os meninos perderem incontáveis vezes. Eles não jogavam mal, mas eram ineficientes no ataque.


Em uma oportunidade me vi torcendo entusiasticamente. Pelo outro time! Contaminado pela luta de classes, ao ver a precariedade econômica dos adversários, que representavam uma escola da periferia, só percebi a contradição quando era tarde demais. Constrangido, optei por sair do ginásio, fui respirar um pouco de ar puro, diminuir o estresse, esperar pelo fim do jogo com o coração acelerado.


Poucas vezes fui ao estádio Vidal Ramos Júnior, mas assisti – ao vivo e em cores –, na companhia do filho e de alguns de seus amigos, algumas partidas de futebol profissional do Internacional e do Lages Esporte Clube (LEC). Lembro que, em um jogo contra o Figueirense, válido pelo campeonato catarinense, os meninos estavam muito interessados no cachorro-quente, na pipoca e no churrasquinho de gato. É que, em campo, não estava acontecendo nada de importante. Foi uma pelada digna do Íbis (inúmeras vezes considerado o pior time de futebol do Brasil).


Porque temos o direito de sonhar. Foi com essa frase de impacto que o herdeiro de minhas dívidas e dúvidas me convidou para assistir ao jogo entre as Leoas da Serra e a equipe de Taboão da Serra, válido pela semifinal da Copa do Brasil de futebol de salão feminina. A pandemia e o distanciamento social tinham me feito esquecer o quão caótico é o mundo dentro de um ginásio de esportes. O barulho ensurdecedor do tambor no meio da torcida, as crianças correndo para lá e para cá, pessoas que esbarram em outras pessoas, fotógrafos e videomakers de celulares, o vendedor de cervejas e refrigerantes que não estava usando máscara, e as meninas (ponytail queens, como gosto de chamá-las) que, quase desesperadas, impuseram um ritmo frenético ao primeiro tempo do jogo. Tudo parecia conspirar para um final feliz. O desastre surgiu no segundo período, não só pelo placar (3 x 2 para as adversárias), mas porque foi um dos últimos jogos de Amandinha (uma das melhores jogadoras do mundo) e de Tampa, que estão se transferindo para outras equipes.


Dizem que o futebol é a continuação da guerra por outros meios e que, no esporte, a frustração é uma companhia constante. Não tenho como avaliar essas afirmações, mas lembrei das palavras de Nelson Rodrigues, em outro contexto, em futebol, o pior cego é o que só vê a bola.


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