Em algum momento do passado, não lembro quando, eu era pré-adolescente, fui com meu pai ao Mercado Público. Talvez fosse próximo da Semana Santa. Minha família seguia o costume religioso de comer peixe nessa época do ano. E lá era o lugar ideal para comprar esse tipo de alimento, que vinha do litoral – naquela época ninguém se interessava pela piscicultura na região.
Minhas recordações estão enevoadas e talvez se confundam com outros momentos. O que tenho nítido é que havia um restaurante, desses com piso de oleado e paredes engorduradas. Em cima do balcão estavam vários vidros com doces e salgados em conserva (cebola, ovos, sardinhas). Provavelmente havia uma estufa de vidro com pasteis, coxinhas e croquetes. Em algumas mesas de fórmica, várias pessoas, enquanto conversavam em voz alta, bebiam cerveja ou faziam algum tipo de refeição. Era uma agitação que parecia não ter fim.
Dentro do mercado, numa ampla área coberta, vários estandes comercializavam hortifrutigranjeiros, galinhas (vivas e mortas), queijos, embutidos diversos e carnes. Tudo vindo diretamente do campo, como era normal em uma cidade de origens rurais. Os peixes (e aquele cheiro característico) ficavam em separado. Alguns estavam em um aquário, era possível levá-los vivos para casa Também eram vendidos em postas.
Naquele tempo, a inspeção sanitária não existia (ou era ineficiente) e as pessoas estavam imunizadas contra alguns tipos de bactérias. Não sei se a vida era melhor, o que posso dizer é que parecia ser menos complicada.
Provavelmente voltei lá outras vezes. O Mercado Público sempre foi uma referência, um lugar onde as pessoas se encontravam para fazer negócios ou para conversar. Em algum momento, a modernidade bateu nas portas da cidade e o lugar perdeu a importância. Foi substituído pelos supermercados – que descentralizaram os pontos de comercialização dos gêneros alimentícios. As compras mudaram de endereço e os produtos industrializados invadiram a vida familiar. Para as miudezas, ou para alguma emergência, o povo usava os mercadinhos de bairro, que adotavam o sistema de anotar as compras na “caderneta”. O acerto era feito no final do mês, quando as pessoas recebiam o salário e saldavam os débitos. Mas esse sistema também foi sendo ultrapassado pela diversidade das ofertas e pela competição predatória das redes de comercio varejista.
Olhando para esse tempo que ficou preso na memória, imagino que muitas histórias podem ter acontecido dentro do Mercado Público. Como não foram registradas, só nos resta fazer alguns exercícios de imaginação. Talvez o verdureiro tenha se apaixonado pela moça que vendia flores. Tímido, nunca confessou a paixão e acabou se casando com a mulher que trabalhava na banca de artesanato – e que jamais pensou em ter marido, o que ela ambicionava era comprar um par de sapatos novos. Talvez a senhora que escolhia berinjelas, brócolis e bergamotas estivesse pensando nas decepções que acompanham a vida. Talvez o jornalista caminhasse no meio da multidão, procurando por uma boa história – sem perceber que a beleza se esconde entre as coisas mais banais. Talvez aqueles trocados recebidos pelos meninos que faziam frete representassem a diferença entre ter um prato de comida e passar fome.
Talvez essas histórias (as que aconteceram e as que foram inventadas) não tenham a mínima relevância, o passado é constantemente soterrado pelo presente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário