Minha mãe recheava dois pedaços de polenta com queijo, unia tudo com um palito, empanava em ovo e farinha e fritava. Era mágico. E delicioso. Nunca mais encontrei esse conjunto de sabores – dignos do Guia Michelin.
Essa comida rústica (e, ao mesmo tempo, sofisticada) era frequente. Ao primeiro corte, o queijo derretido se espalhava pelo prato. Naquele tempo, não existia queijo industrializado (essas fatias amarelo-desmaiado, insípidas, ricas em conservantes, separadas por lâminas de plástico e disponíveis nas seções de frios do supermercado). Tampouco a fiscalização sanitária se incomodava com a produção rural e com o controle de qualidade. Todos consumiam o queijo de colônia (colônia de bactérias, como costuma dizer a mãe do meu filho), sem grandes consequências.
No Mercado Público ou no armazém da esquina era possível adquirir umas peças redondas, pesadas, e que tinham mil e uma utilidades (sanduíches, macarronadas, para comer com goiabada, etc.). De acordo com o método de produção, era possível encontrar alguns queijos mais salgados ou mais insípidos, mais “curados” ou mais “verdes”. Variedade nunca faltou.
A resistência bacteriológica da população também era outra. As crianças andavam descalças, as ruas eram de chão batido, ninguém ficava doente por caminhar na chuva e os brinquedos não exigiam pilhas alcalinas extra-hiper-super-mega-potentes. Tudo era mais simples (evidentemente, isso não quer dizer que era melhor).
Depois, com o passar do tempo e das experiências, as preocupações que só existiam no mundo dos adultos se transformaram em problemas para todos. E tudo ficou mais confuso. E menos calmo. A inocência se perdeu na necessidade de encontrar os adequados mecanismos de sobrevivência.
Nossa família passou por uma crise importante na metade dos anos 70 do século passado. Depois de uns dois anos, talvez mais, voltei a morar com minha mãe. A polenta com queijo foi ficando para trás, nessa corrida de obstáculos que é a vida. Ficou reservada para ocasiões especiais – um ou outro almoço de aniversário ou quando a insistência era insuportável. No geral, a mãe costumava dizer que dava muito trabalho, que podíamos comer coisa melhor – mesmo que fosse apenas arroz com ovo frito ou macarrão com sardinha.
Não foram poucas vezes em que as dificuldades econômicas atropelaram os nossos sonhos por boas refeições. Os bifes à milanesa eram escassos, mas sempre bem-vindos. O mesmo se pode dizer das lasanhas, naquelas travessas de vidro enormes, que saiam do forno fumegando odores e sabores. Dobradinha (bucho) era presença constante, possivelmente uma vez a cada quinze dias. Apesar de todas as dificuldades, sempre tinha alguma sobremesa: doce de gila, figo em calda, sagu de vinho, arroz doce, gelatina, fruta (banana ou bergamota). Chocolate era uma benção dominical, inseparável das sessões da matinê do Cine Tamoio. Ninguém bebia refrigerante. Ao nosso alcance estava o Q-Suco ou capilé (uma gosma açucarada diluída em água de torneira). Limonada e suco de laranja eram acontecimentos raros.
Agora que Dona Vina não está mais entre nós, percebo que era nas refeições que amarrávamos os sentimentos. Nada muito explícito. Nunca fomos de distribuir beijos e abraços como se fossem balas de hortelã. A vida nos ensinou que o afeto produz vulnerabilidades. Mas, à nossa maneira, tentávamos ser felizes.
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