Um conhecido declarou que ninguém, nos
dias atuais, consegue ler um romance com mais de 400 páginas.
Famoso escritor brasileiro propôs, através de uma crônica, a extinção da crônica (seguindo um comportamento niilista que, em outro momento, havia decretado o fim do romance).
São dois exemplos recentes de que existe um pensamento próximo na negação da leitura. Mas, provavelmente, fazer esse tipo de comentário implica em um erro. Ou em vários. O que predomina não são os baixos níveis de escolaridade (e, consequentemente, de leitura) entre os brasileiros. É a falta de paciência para estruturar a reflexão crítica (que demanda tempo e silêncio – artigos escassos em um mundo que se move mais rápido do que o necessário).
De qualquer forma, algumas perguntas precisam ser formuladas. Livros como A procura do tempo perdido (Marcel Proust), A montanha mágica (Thomas Mann) e Os irmãos Karamazov (Fiódor Dostoiévski), para citar três clássicos, estão destinados a se transformar em peças de museu? Ou melhor, ficarão emparedados eternamente nas estantes das bibliotecas públicas e somente serão lidos por malucos ou por estudiosos da pré-história literária? Quem os substituirá? Memes e vídeos das redes sociais? Independente da resposta (ou da rota de fuga que implica em dizer que as imagens também são formas de leitura), a proposição catastrófica de Fahrenheit 451 (Ray Bradbury), que antecipava a extinção da literatura, parece estar adquirindo substância. Os sistemas políticos autocráticos detestam qualquer atitude que se afaste da submissão ou que proclame a liberdade de pensamento.
Entre o alfa e o ômega, a realidade contemporânea foi recheada pela distopia. Pelas mãos dos fariseus surgem os tais biscoitos finos – indicados por dez entre dez filósofos e profetas em podcasts antenadíssimos com o que há de mais atual na tecno(bio)logia. Brave new world.
Não adiante dizer: salve-se quem puder. O espaço subitamente vazio será ocupado com algo que está longe de ser a estampa elegante que Gutenberg imprimiu no século XV.
A possibilidade das bibliotecas serem devoradas pelo fogo deixou de ser uma ameaça. As cenas retratada nos romances O nome da rosa (Umberto Eco) e Auto-de-fé (Elias Canetti) não estão restritas ao imaginário. Em agosto de 1992, os soldados sérvios bombardearam a Biblioteca Nacional e Universitária da Bósnia, causando um prejuízo cultural similar ao incêndio da Biblioteca de Alexandria, em 48 a. C.
É o horror, o horror – diria Kurtz ao ver o alcance da maldade humana, ao perceber que o Aleph mimetiza o labirinto que conduz diretamente ao Minotauro. Nem todo leitor consegue se disfarçar de Teseu – ou receber um barbante de Ariadne.
Se a leitura implica em conhecer outros mundos, em viajar através da imaginação, provavelmente será nos livros que se encontram as respostas para as perguntas que ninguém quer formular. Isso trará a felicidade?, manifesta-se o incrédulo. Não. Os livros não são panaceias ou passes de mágica ou soluções para os problemas do mundo. O que se procura (e talvez possa ser encontrado) na leitura é outra coisa (que possivelmente não tem nome), mas que nos faz perceber que ainda somos humanos.
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