Estou me organizando para ler os sete livros que compõem À Procura do Tempo Perdido, do Marcel Proust (1871-1922). Comprei os dois primeiros volumes da nova edição brasileira (Companhia das Letras), mas eles estão intocados na estante. É que não quero mergulhar no abismo sem alguma rede de proteção. Ou seja, vou ler, antes de tudo, alguns ensaios críticos e biográficos (Roberto Machado, Samuel Beckett, Vladimir Nabokov, Alain de Botton, Joseph Czapski, Celéste Albaret, Edmund White e outros). Depois é que iniciarei a aventura.
Talvez isso seja um preciosismo. Mas, alguns leitores possuem baixo nível de compreensão de certas coisas (ou das coisas certas). Não me considero enquadrado em um desses casos em que é difícil distinguir a loucura da lucidez, até porque conheço situações piores. No entanto, como é de conhecimento amplo, geral e irrestrito, a literatura produzida por Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (nome completo do escritor) não é exatamente chá com bolinhos (embora... chás e bolinhos façam parte do cenário).
No meio de um dos livros do Roberto Machado, Proust e as artes (Editora Todavia, 2022), encontrei menção ao Bergotte (um personagem proustiano importante). Nesse momento, alguma gaveta da memória se abriu. Junto trouxe a dúvida. Onde foi que li esse nome? Interrompi a leitura e fiquei a pensar nesse mar de papel e tinta que compõe a biblioteca (ou melhor, todas as bibliotecas do mundo). Em algum lugar, qual?, encontrei Bergotte – e não foi nos livros de Proust.
Duas da manhã. A intuição me dizia que a solução estava escondida em algum lugar das estantes que abrigam a literatura brasileira. Bastava procurar. De repente, tudo se esclareceu. Poderia chamar esse momento de insight, epifania, revelação, satori, estalo de Vieira, sei eu lá o quê. Poderia.
Foi em 2000 ou 2001. Aluno do mestrado em literatura na Universidade Federal de Santa Catarina. Aula da Tânia Regina Ramos. Trabalho de grupo. Salete Lopes fazia parte da minha equipe – desculpem-me, não me lembro das outras pessoas que estavam conosco. A proposta era ler um dos livros da coleção Literatura ou Morte (Companhia das Letras) – e escrever um texto sobre a experiência. A nós coube Medo de Sade, do Bernardo Carvalho. Creio que completamos a tarefa com eficiência.
Embora (naquele tempo) estivesse próximo da falência, aos poucos fui comprando os outros livros que foram usados na disciplina acadêmica. Foram esses volumes que procurei no meio da madrugada (porque a menção ao Bergotte não está no romance do Bernardo Carvalho). Não sei se encontrei todos. Fui conferir na Internet e pouco ou nada encontrei sobre a coleção. Vinte e poucos anos parecem uma eternidade. Rastros desaparecem na luminosidade de outros acontecimentos.
A referência está em A morte de Rimbaud, do filósofo Leandro Konder (1936-2014). O texto está encharcado de citações proustianas e francesas. Depois que o mistério se esclareceu, lembrei que li o romance com bastante interesse porque Konder escreveu dois textos que, naquela época, me impactaram muito: A Derrota da Dialética (Editora Campus, 1988) e Walter Benjamin: o Marxismo da Melancolia (Editora Campus, 1988). Esporadicamente, releio trechos desses livros – é tão bom quando percebemos que o tempo não dissolveu os ensinamentos do Mestre.
Por algum motivo, e não sei exatamente qual, tudo o que posso dizer sobre essa história é que, sentado no sofá, com os livros da coleção nas mãos (alguns bastante surrados), fiquei com saudades das aulas da Tânia, da generosidade da Salete, da inteligência do Leandro Konder.
A curiosidade pelas frases intermináveis do Proust aumentou.
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