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terça-feira, 4 de junho de 2024

MACHADO DE ASSIS NOS TRENDING TOPICS

 


Uma digital influencer gringa andou internetando sobre o Bruxo do Cosme Velho. Vi o vídeo. Pareceu-me mais uma peça de propaganda da Amazon do que um elogio sincero. Mas essa opinião provavelmente se deve mais ao meu ceticismo com o capitalismo do que com o gosto literário de quem ficou deslumbrada com um livro que acho supervalorizado. Prefiro Dom Casmurro e Esaú e Jacó. De qualquer forma, se valer o que dizem por aí, a tradução estadunidense de Memórias Póstumas de Brás Cubas está vendendo mais do que panqueca com xarope de bordo nas manhãs do norte do mundo.

É sempre uma boa surpresa quando “eles” descobrem que existe literatura na parte de baixo do Equador. Nem digo “boa” literatura, porque, nesse caso, teria que discutir o conceito bom/mal e, para arrematar a querela, fazer uma lista dos livros que deveriam ser traduzidos nos países “civilizados”. Além de exaustiva, essa tarefa não é de minha competência.     

Cá entre nós, o deslumbramento com a prosa do Joaquim Maria não é, nem nunca foi, uma novidade. Harold Bloom e Susan Sontag, para ficarmos em dois exemplos exemplares, já haviam encharcado o papel (ou a tela do computador) com aplausos efusivos. A Helen Caldwell escreveu um ensaio inspirado comparando Otelo e Bento de Albuquerque Santiago. E o que dizer sobre os ensaios do John Gledson, que colocaram Machado em outro patamar no cânone ocidental?

Ah, os tempos são outros, mudaram as referências e a linguagem. Ninguém mais se importa com a crítica literária, o que vale – e consagra – são vídeos de um minuto (ou menos). Pois é. O tempora, o mores, diria algum intelectual pedante (aliás, essa expressão latina deve ter sido empregada pelo Machado, mas não tenho certeza e, no momento, estou com preguiça para pesquisar se usou ou deixou de usar – e, noves fora, isso não importa, segue o baile).     

Tá certo, tá tudo certo, Machado era maravilhoso. Quer dizer... Como todo escritor verborrágico, ele também escreveu algumas coisas, hum, digamos, não muito boas. O José Luiz Passos, certa vezes sugeriu a publicação de um volume chamado Os Piores Contos de Machado de Assis. O engraçado é que ninguém colocou essa ideia em prática, nem mesmo o seu autor. Falta coragem para provar que, na tradição literária, existe alguns santos do pau oco (ou com pés de barro).   

A verdade verdadeira é que, quando se está lustrando com a bunda os bancos dos colégios, nesse fim de mundo que chamam de Brasil, escrever trabalho escolar sobre a literatura de um sujeito que usava uma linguagem que, francamente, não apetece a ninguém, equivale a um suplício indescritível. Em inúmeras oportunidades ele escreveu uma coisa querendo dizer outra e, quando se descobre essa enrolação, o pobre coitado que está a se debruçar no texto conclui que não era isso ou aquilo, mas aquele outro. Uma complicação que chamam de ironia (será que a gringa percebeu esse detalhe?). Como se não fosse suficiente, são poucos os leitores que conseguem compreender o malabarismo que o sujeito praticou para sobreviver em uma sociedade aristocrática, elitista, branca e semianalfabeta na transição do século XIX para o XX. 

Dito isso, surge a pergunta indigesta: em que o vídeo da gringa ajudou a literatura brasileira? Vender livros do Machado (que estão no domínio público, ou seja, não pagam direitos autorais) só interessa às editoras e à Amazon. Alguém pode alegar que o vídeo pode ter contribuído para a criação de um novo público leitor lá e aqui. Invejo esse otimismo.

Ler Machado de Assis é uma experiência mágica. Mas, precisa ser feita por alguém que perceba o tipo de prestidigitação que está sendo feita por quem gosta de tirar coelho da cartola. Prefiro pensar que uma mudança no currículo escolar brasileiro, privilegiando a literatura contemporânea, pode ser mais proveitoso para ampliar o número de leitores. Faço parte da turma do Roland Barthes: o essencial é o prazer de ler. 

      


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