Três filmes fazem parte da interminável seleção que intitulei "os melhores que assisti”. São eles O Sol por Testemunha (Dir. René Clément, 1960), Rocco e seus Irmãos (Dir. Luchino Visconti, 1960) e O Leopardo (Dir. Luchino Visconti, 1963). Alain Delon está presente em todos.
Não lembro onde assisti esses filmes. Não importa se foi no cinema ou na televisão (em um desses canais de filmes “cult” ou em DVD). Provavelmente nos dois lugares – várias vezes. Aquele que foi considerado um dos homens mais bonitos da história do cinema, Alain Fabien Maurice Marcel Delon, morreu no domingo (18 de agosto de 2024) em Douchy-Montcorbon, Departamento de Loire, França. Tinha 88 anos.
Nos obituários publicados em revistas e jornais existem várias acusações sobre suas posições políticas. Também há aplausos pela defesa da causa animal. Inevitavelmente derramaram baldes de tinta (ou de pixels) sobre sua vida amorosa. Como acontece nesses casos, inventaram uma nova versão para a velha dicotomia entre mocinhos e bandidos. Como cada pessoa traz dentro de si um pouco de cada coisa, é possível que ele tenha sido santo em alguns momentos e demônio em outros.
De minha parte, guardarei a lembrança do jovem e impetuoso Tancredi Falconeri, sobrinho querido de Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina. No romance Il Gattopardo (escrito por Giuseppe Tomasi, Príncipe de Lampedusa), a Itália está passando por profundas mudanças políticas e sociais. A tradição está morrendo e ninguém pode assegurar o que está por vir. Nesse momento de profunda instabilidade, onde tudo pode acontecer, inclusive nada, ao saber que Tancredi pretende se reunir com um grupo de revolucionários (contra a casa de Bourbon e à favor da casa de Saboia), o Príncipe fica preocupado e tenta fazer com que o rapaz desista. Recebe em troca uma lição política (talvez inspirada por Niccolò di Bernardo dei Machiavelli).
Em uma das edições brasileiras, publicado pela Difusão Europeia do Livro (1963, p. 31-32), a cena é assim descrita:
– Estás louco, meu filho! Meter-se com aquela gente; são todos uma corja de bandidos e trapaceiros, um Falconeri deve estar conosco, do lado do rei.
Os olhos voltam a sorrir.
–
Do lado do rei, com certeza, mas de que rei?
O
rapaz teve um daqueles seus acessos de serenidade que o tornavam impenetrável e
querido.
– Se nós não estivermos lá, eles fazem uma república. Se queremos que tudo fique como está é preciso que tudo mude. Expliquei-me bem?
Esse trecho está na adaptação cinematográfica, que ganhou, em 1963, a Palma de Ouro do Festival de Cannes. No elenco, Burt Lancaster (Fabrizio Corbeta), Alain Delon (Tancredi Falconeri) e Claudia Cardinale (Angelica Sedara). É um filme magnífico e que consegue captar, com grande precisão, os ventos da transformação política italiana, o Risorgimento (1815-1870). A grande cena do baile e a exaustão de Fabrizio Corbeta – diante de um mundo diverso daquele que ele idealizou – são momentos que poucas realizações artísticas conseguiram atingir. Tancredi, herdeiro do legado do Príncipe, simboliza os novos tempos – mas que não são exatamente novos. A embalagem mudou, o conteúdo continua igual. E a vida segue o seu curso, independente da vontade de seus personagens.
Enfim, mesmo que digam que o ator saiu de cena, o rapaz que tomou a identidade do amigo (O Sol por Testemunha, baseado no romance de Patricia Highsmith) e o irmão que tenta preservar as raízes familiares (Rocco e seus Irmãos, baseado em texto de Giovanni Testori), além daquele que propõe a revolução que não revoluciona, continuarão a existir no imaginário dos cinéfilos.
Cena de "Il Gattopardo". No primeiro plano, Burt Lancaster e Claudia Cardinale. Ao fundo, Alain Delon. |
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