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segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O(S) NADADOR(ES)

 


São duas narrativas muito diferentes, mas que tratam (de certa forma) de um estilo de vida em extinção. Os Nadadores, de Francis Scott Key FitzGerald (1896-1940), é de 1929; O Nadador, de John William Cheever (1912-1982), foi publicado em 1964.

 

Francis Scott Key FitzGerald (1896-1940)

O conto de Scott FitzGerald espelha um dos grandes mitos da identidade masculina: o adultério. Ao perceber que a esposa não lhe é fiel, o bancário Henry Clay Marston deixa escapar um comentário sarcástico: Nunca é tarde para se adotar uma atitude de marido francês. Seguindo esse ritmo fora de seus padrões sobre o que pode (e não pode) acontecer no mundo familiar, resolve levar a esposa e os dois filhos para passar algum tempo na praia em Saint-Jean-de-Luz (região administrativa da Nova Aquitânia, departamento dos Pirenéus Atlânticos, noroeste da França, próxima da fronteira com Espanha). Ao perceber que uma desconhecida (de, talvez, uns dezoito anos) estava se afogando, entra no mar para resgatá-la. Como se estivesse protagonizando uma comédia pastelão, quem precisou ser socorrido foi ele. Não sabia nadar. Então, alguns dias depois, a jovem (inominada), que vive viajando pelo mundo para nadar em diferentes lugares, se predispôs a ensinar-lhe (e aos filhos) o básico da natação. Este é o ponto decisivo da vida de Henry.

Depois daquele incidente em Paris, Henry decidiu que a melhor política seria compreender, perdoar e tentar preservar o casamento como algo alheio aos caprichos do amor. Então, para afastar a esposa das tentações, resolve aceitar uma proposta de trabalho e voltar para Richmond (estado de Virgínia, leste de Estados Unidos). Uns três anos depois descobre que a vida não se preocupa com repetições e que algumas coisas nunca terão conserto. A esposa tinha um outro amante. Desta vez, um milionário sem escrúpulos.

Quando as dificuldades ficaram insuperáveis, inevitáveis, Henry procurou consolo no mar. Durante três anos, nadar se tornara uma espécie de fuga, e ele dedicou-se àquilo como quem se dedica à música ou à bebida. Houve um ponto em que parou de pensar e decidiu ir para a costa da Virgínia, afim de nadar e afogar as mágoas no oceano. Em algum momento foi preciso tomar duas decisões drásticas: divórcio e voltar para a França. Exigiu ficar com os filhos, mas a esposa não concordou. O impasse foi resolvido em uma lancha do amante. No rio James, Henry foi ameaçado de forma bastante óbvia: Pois bem, dinheiro é poder, Marston. Repito, dinheiro é poder. O amante, ao agir desta forma selvagem, típica dos que acreditam na força para conseguirem o que querem, estabelece as bases da chantagem.

Tudo parece estar resolvido, mas o motor da embarcação falhou e o barco ficou à deriva. Na eminência da lancha se chocar com as rochas da costa, Henry aproveita o seu grande triunfo para inverter a situação: ele sabe nadar. O resto da história não tem grande relevância, exceto pelo fato de Henry encontrar, outra vez, a jovem nadadora e lhe perguntar: Por que você gosta tanto de nadar? Não há resposta satisfatória para a questão, nem mesmo se a pergunta fosse dirigida para ele.

 

John William Cheever (1912-1982)

No conto de John Cheever, O Nadador, a história se mostra mais complexa. Ned Merril está na casa de amigos, tomando gim na beira da piscina, quando decide voltar para casa (situada a 13 quilômetros de distância). Ele escolheu um trajeto inusitado: ir nadando. Quer dizer, fazendo escalas nas diversas piscinas que existem pelo caminho. Em uma interpretação freudiana bastante rasa, essa escolha remete ao líquido amniótico – e, consequentemente, à eterna vontade de voltar ao útero materno. Nadar na piscina (o corpo preso em espaço físico determinado, onde qualquer gesto causa turbulências e espasmos) pode ser interpretado como a procura do lugar primitivo, onde existe proteção contra os horrores da vida cotidiana. Contraditoriamente, revela a vontade incontrolável de romper a bolha aquática e, finalmente, poder respirar por conta própria. Esse embate também espelha a própria existência do personagem que, sob alguns aspectos, se parece com Forrest Gump, na medida em que o esforço para chegar ao destino parece levar ao nada, exceto ao cansaço. 

A aventura proposta por Ned está diretamente relacionada com um sistema econômico e social. O glamour da vida dos milionários, que acordam todos os dias com a sensação de Ontem eu bebi demais, parece estar se diluindo lentamente. Em cada piscina (mergulhar, voltar à tona, sair da água, caminhar até a próxima) isso se torna cada vez mais visível – mas que somente se revela integralmente no último parágrafo do conto.

 


P.S.: Existem outras narrativas em que o espaço aquático se mostra decisivo na estrutura ficcional. Desde os romances clássicos de aventuras marítimas de Robert Louis Stevenson, Joseph Conrad, Júlio Verne e Emílio Salgari até narrativas contemporâneas como os romances Fôlego (Tim Winton), A Carta Esférica (Arturo Pérez-Reverte), Esforços Olímpicos (Anelise Chen) e a novela A Piscina (Yoko Ogawa). O cinema também contemplou o tema. Por exemplo, o conto de John Cheever foi adaptado como O Nadador (The Swimmer. Dir. Frank Perry, 1968) ou, em outra vertente, O Campeão (Swimming Upstream, Dir. Russell Mulcahy, 2002), em que parte do mundo competitivo da natação é dissecado.  


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