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terça-feira, 15 de maio de 2012

BATTLESHIP (A BATALHA DOS MARES)

O herói (do grego hêros, homem divinizado, descendente dos deuses), na concepção literária clássica, é o indivíduo capaz de superar os mais árduos obstáculos – muitas vezes pagando esse esforço com a própria vida. Diante do perigo (qualquer tipo de perigo), armado pela valentia e a coragem física e moral, o herói surge como representação da esperança. Suas ações, usualmente inesperadas e violentas, determinam o ponto fulcral do enredo.

O êxito dessa empreitada está associado à capacidade de articulação e liderança junto aos outros atores do quadro dramático. Usualmente, o protagonista dessa intrépida aventura conta com a ajuda de diversos párias sociais (rebeldes, loucos, velhos, deficientes físicos). Essa legião Brancaleone ambiciona romper com as regras que infligem a tirania e o sofrimento.

Battleship (A batalha dos mares) (Dir. Peter Berg, 2012) não passa de mera repetição do tema. Existem trezentos filmes similares. Todos são previsíveis, na medida em que abusam dos clichês, repetem fórmulas e consagram happy ends.

Estranhamente, por algum método de persuasão, típico da indústria cultural, o cinema conseguiu convencer o sujeito que paga (caro) pelo ingresso de cinema que essas características são positivas. Enquanto as histórias se repetem, o espectador (anestesiado pelo refrigerante, pela pipoca e pelos efeitos de computador) se diverte revendo um espetáculo que já havia sido exibido na semana (ou na quinzena) anterior.

A modernidade tecnológica (carros hiper−velozes, computadores, aviões) tornou obsoletos os navios de guerra. E, conseqüentemente, os marinheiros. Salvo em situações muito especiais (como a do submarino nuclear russo Kursk, que afundou com 118 homens a bordo, em 2000), as aventuras marítimas não conseguem empolgar o público. Batalha naval se tornou sinônimo de jogo infantil (ironicamente, a cena que simula esse brinquedo é excelente). Não há mais espaço para filmes de guerra baseados no esforço naval. A Segunda Guerra Mundial (como nos mostra Pearl Harbor. Dir. Michael Bay, 2001) e a Guerra Fria (como retratada em Caçada ao Outubro Vermelho. Dir. John McTiernan, 1984), onde Mariners e fuzileiros eram aplaudidos como defensores da democracia, da honra e do dever, foram substituídas por temas mais dinâmicos.

Em Battleship (A batalha dos mares) a Terra foi invadida por alienígenas. Nada que preocupe. Eles só querem exterminar os humanos e os substituir. Para tanto, possuem um arsenal poderoso. Como sempre acontece nesse tipo de entretenimento, não há economia nos episódios de destruição. Contraditóriamente, são cenas assépticas, onde as demolições estão restritas aos bens materiais (não há cadáveres, não há mutilação, não há sangue escorrendo nos fotogramas). Além de várias cidades litorâneas, metade da frota naval estadunidense é destruída ficcionalmente.

Por motivos pouco plausíveis, o mar é o cenário onde são travados todos os combates.

Rebelde, colérico, impulsivo, indisciplinado – o oficial naval Alex Hopper (interpretado por Taylor Kitsch, um dos atores do seriado televisivo Friday Night Lights), envolto no idealismo típico de quem acredita que está defendendo a justiça e a verdade, reúne uma quantidade considerável de defeitos. Simultaneamente, possui o physique du role adequado ao herói. Sem pensar muito nas conseqüências, ele protagoniza a resistência ao inimigo. O esforço hercúleo resulta em diversos combates, navios afundados, tripulante ao mar, emoções de videogame.

Como compete a esse tipo de narrativa, sempre há oportunidades para uma guinada no script. Seguindo a cartilha utilizada até a exaustão nos filmes de caubói, a cavalaria surge no momento em que tudo parece perdido. Um navio−escola, administrado por veteranos da marinha, se transforma em máquina mortal. O cinema−catástrofe adora esses simulacros de redenção.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

VINTE E CINCO FRASES DE AMOR

Se o amor é fantasia, eu me encontro ultimamente em pleno carnaval (Vinicius de Moraes)

Oferecer amizade a quem pede amor é como dar pão a quem morre de sede. (Ovídio).

Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo? (Fernando Pessoa)

Pelo amor de uma rosa o jardineiro aguenta mil espinhos. (Provérbio turco)

Existe entre nós dois algo melhor do que o amor: a cumplicidade. (Marguerite Yourcenar)

É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música. (Honoré de Balzac)

Amar alguém é ser o único a ver um milagre invisível aos outros. (André Mauriac)

Como ciumento sofro quatro vezes: por ser excluído, por ser agressivo, por ser doido e por ser vulgar. (Roland Barthes)

O amor não tem cura, porém é a cura de todos os males. (Leonard Cohen)

Amar é admirar com o coração. Admirar é amar com o cérebro. (Theophile Gautier)

A maior declaração de amor é aquela que não é pronunciada. O homem que sente muito, fala pouco. (Platão)

O amor é o nosso estado natural quando não optamos pela dor, pelo medo ou pela culpa. (Willis Harman e Howard Rheingold)

O amor faz passar o tempo, o tempo faz passar o amor. (Provérbio italiano)

É necessário ter em conta que, assim como um grande amor, as grandes conquistas requerem grandes riscos. (Dalai Lama)

Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito, desconfio que haja falta de amor. (Vladimir Maiakovski)

Nos dias em que você não ardeu de amor, muitos morreram de frio. (François Mauriac)

Escrever é como fazer amor. Não te preocupes com o orgasmo, preocupa-te com o fazer. (Isabel Allende)

O amor é a asa veloz que Deus deu à alma para que ela voe até o céu. (Michelangelo)

Há sempre um pouco de loucura no amor. Também há um pouco de razão na loucura. (Friedrich Nietzsche)

Amar se aprende amando. (Carlos Drummond de Andrade)

O amor é um desejo irresistível de ser desejado irresistivelmente. (Robert Frost)

O amor é um crime que não se pode realizar sem cúmplice. (Charles Baudelaire)

O amor consola, assim como o resplendor do sol depois da chuva. (William Shakespeare)

O primeiro amor é um pouco de loucura e muita curiosidade. (George Bernard Shaw)

O amor é a alegria dos bons, a reflexão dos sábios, o assombro dos incrédulos. (Platão)

sexta-feira, 11 de maio de 2012

ETIMOLOGIA: BRINCAR COM AS PALAVRAS

Lendo uma das maravilhosas crônicas que Elif Batuman escreveu, em Os Possessos (aventuras com os livros russos e seus leitores), descubro que Sófia Andréievna, esposa de Liév Nikolaivitch Tolstoi, era ailurofóbica. Quem é que sabe o que é ailurofobia? Eu não. No Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa não encontro o seu significado. Talvez seja uma palavra russa, idioma que – pelas dificuldades − sempre me pareceu grego. Conheço, no máximo, uma meia dúzia de palavras da língua eslava (Nyet, Da, Spasibo,...). Eis o impasse, disse para mim mesmo.

Poderia continuar a leitura e intuir o significado da palavra. No entanto, seguindo essa estranha obsessão que chamam de curiosidade, consultei uma meia dúzia de dicionários. Continuei ignorante. Foi no The Concise Oxford Dictionary que encontrei um indício da resposta: (f. Gk ailouros cat + o). A vida é engraçada: precisei dar várias voltas para descobrir que a solução era grega!

A língua portuguesa é uma colcha de retalhos. Poucas são as palavras autenticamente portuguesas. Aos alunos, recomendo aprender prefixos, sufixos e radicais gregos e latinos. Esse atalho provavelmente os ajudará a se tornarem bons leitores. Um mínimo de conhecimento de árabe também é importante. No Brasil, saber o básico de algumas línguas indígenas e africanas é metade do caminho para o conhecimento.

Aprender, apreender, os significados das palavras é uma forma de brincar com a vida, de levar para longe as brigas com o conhecimento, de deixar para trás a escuridão e a ignorância. Assim como gostaríamos de saber a origem das coisas que nos rodeiam, também deveríamos querer conhecer a origem das palavras, sua história, sua evolução. Como diz mestre Mansur Gueiros, as palavras não se separam das coisas que elas evocam.

Mas, para quem não gosta de dicionários ou da pesquisa etimológica, o conhecimento pode ser adquirido de maneira divertida. Nos vários volumes de O Pulo do Gato, de Márcio Cotrim, há explicações sobre a origem e o significado de centenas de palavras e expressões utilizadas diariamente. São quatro ou cinco livros para os momentos de descontração. Basta deixar a neurose de lado e consultar um ou outro verbete. Com bom humor, descobrimos a história de palavras e expressões como açougue, maionese, sangue azul, catupiry, favas contadas, erro crasso e muitas outras.

A Vida íntima das palavras, do Deonísio da Silva, é compilação de alguns verbetes de uma coluna publicada na revista Caras − onde o ilustre escritor distribuiu um pouco de cultura aos pseudo−burgueses semi−letrados que oprimem os trabalhadores brasileiros. Quem quiser saber o que significa ósculo, fuste, cacunda e a diferença entre cachê e michê precisa ler o livro de Deonísio.

No combate contra a xenofobia que nos aflige diariamente, as crônicas de What língua is esta?, escritas por Sérgio Rodrigues, são top! Desconstruindo as noções conservadoras de alguns gramáticos, o texto mostra o poder da transformação linguística que está ocorrendo diariamente ao nosso redor.

Na eterna luta entre o português de Portugal e o português brasileiro, o imperdível Schifaizfavoire, do Mário Prata, nos mostra, de forma bem−humorada, o quanto, entre peúgas e alcatifas, os dois países estão separados.

De qualquer forma, para quem quer se aprofundar no assunto há bons dicionários de etimologia no mercado editorial. Um dos melhores é o de Antônio Geraldo da Cunha.

Quando descubro o significado de uma palavra (por exemplo, ailurofobia, detestar gatos) sou tomado pelo entusiasmo (derivação do grego clássico entheos, estar com Deus).

quinta-feira, 10 de maio de 2012

SAMUEL BECKETT (1906−1989)

A única possibilidade de falar sobre o nada é falar sobre nada como se fosse algo, afirma Watt, protagonista do romance homônimo, escritos por Samuel Beckett e publicado em 1953. Talvez essa seja uma boa síntese para uma literatura que costuma ser acusada de aridez discursiva.

Samuel Beckett, prêmio Nobel de literatura de 1969, irlandês de nascimento, cidadão britânico por imposição política, escritor bilíngüe (inglês e francês), secretário particular de James Joyce por algum tempo, se tornou mais conhecido como dramaturgo do que como ficcionista. Possivelmente a culpa por esse exagero esteja no espetacular sucesso de Esperando Godot, a peça de teatro mais famosa da literatura contemporânea. Provavelmente a culpa por essa injustiça seja um reflexo da monumental arquitetura narrativa de seus romances e novelas (herança afetiva do Nouveau Roman − onde nada acontece).

Há quem discorde. Alguns críticos defendem a idéia de que o teatro proposto por Beckett não passa de uma extensão (muito competente) dos seus romances e novelas, uma moldura destinada a fornecer imagens concretas às imagens mentais. Essa proposição se aplica, inclusive, para os últimos trabalhos cênicos de Beckett, onde não há texto, onde a afasia transborda como linguagem.

Na trilogia formada por Molloy, Malone Morre e O Inominável o discurso agônico (absurdo, à deriva) dos protagonistas espelha os acontecimentos que antecedem aos estertores da razão. Cientes de que a qualquer momento serão engolidos pela incomunicabilidade, esses personagens utilizam−se desesperadamente das palavras como um exercício de rebeldia contra o determinismo que os condena ao imobilismo, ao amordaçamento. Preencher o silêncio constitui uma necessidade imperativa para resistir aos ditames de uma sociedade encastelada no próprio umbigo. O aparentemente sem sentido também é um momento de lucidez, de resistência à lógica instituída pela modernidade.

Transitando entre o drama e a comédia, os personagens de Beckett (surpreendente mistura de clochard e clown) não possuem identidade reconhecível (passado, família, ocupação social) e sempre estão flertando com a marginalidade (social, econômica, psicológica). Não há explicação plausível para estarem onde estão, para fazerem o que fazem, para desaparecerem como desaparecem. Habitantes de um cenário mínimo, que reflete o mundo devastado, desértico, desprovido de vida, que habitam, se caracterizam por estarem à espera. Do quê? Nem eles mesmos sabem.

Vladimir e Estragon (para muitos analistas, uma versão complicada de Laurel e Hardy), inseparáveis em suas diferenças, estão em cena, suprindo a ausência de Godot. Enquanto esperam pelo amigo, vão estabelecendo um vínculo entre a perda e o dano. Eles voltam todos os dias ao mesmo lugar, ansiosos para encontrar alguém que nunca chegará, mas que mesmo assim é aguardado ansiosamente. Presos a um compromisso que não se cumpre, que jamais poderá ser cancelado, alternando insensatez, tédio e diversão, eles descobrem que, durante todo esse tempo, nada é mais engraçado do que a infelicidade.

Enquanto os espectadores preenchem suas vidas com a vida dos personagens de Beckett, um triste ensinamento ilumina a ausência de esperança e de alegria: estamos todos esperando pela dor − que nunca se atrasa.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A LITERATURA BRASILEIRA COMO EXERCÍCIO DE METAFICÇÃO

Durante algum tempo, a literatura brasileira foi inundada pelo romance metaficcional, com pretensões históricas. Poucos conseguiram resistir às tentações propostas pelos divertidos jogos literários de Em liberdade (Silviano Santiago, 1981), provavelmente a primeira narrativa brasileira a desconstruir um ícone literário (no caso, Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, publicado em 1953). E a prova mais evidente dessa tendência a−pós−o−moderno − que quase acabou na/com a delícia que é a pizza de feijoada − foi o romance Boca do Inferno (Ana Miranda, 1989), onde o poeta Gregório de Matos sofreu a humilhação de ser reduzido a um espécime raro, desses que muita gente costuma visitar aos domingos, no zoológico.

Seguindo parte da trilha traçada pelos textos com um pé na biografia e outro na ficção, como O que é isso, Companheiro? (Fernando Gabeira, 1979) e Os Carbonários (Alfredo Sirkis, 1980), Ana Miranda mostrou à patuléia desvairada uma meia dúzia de truques baratos sobre a maneira mais fácil de diluir as fronteiras entre História e ficção. Ao mesmo tempo, não se importou em substituir o relato do presente por algum tipo de narrativa ilustre, ilustrada, ilustrativa. O agravante de ter sido acusada de descarado plágio parece que não impediu que fosse seguida por gloriosa matilha adestrada.

Ou seja, ninguém ficou surpreso quando diversos autores aceitaram – mais uma vez – o abrigo alegórico, imaginando que, debaixo desse guarda–chuva psicológico, estariam protegidos contra tempestades, terrenos minados e covardia. A crítica, que nunca critica a sério qualquer coisa, e defende a propina de cada dia anunciando os lançamentos editoriais, fez de conta, mais uma vez, que a responsabilidade não era dela.

Em lugar de trabalhar com o real, com a vida pulsante do dia­-a­-dia, denunciando os descompassos do Brasil trôpego e reacionário que nos (des)une e nos faz chorar, o dilúvio de metaficção que assolou nosso desassossego enveredou por inúmeras e incontáveis brincadeiras infanto−juvenis, exaurindo toda substância literária significativa, volatizando a carne e sangue que as envolvem. O recuo (intelectual, emocional, político) comprovou o quão patética foi essa rendição ao superficial.

Ao lado das recriações (malcriações?) literárias sobre Machado de Assis, (Memorial do fim. Haroldo Maranhão, 1984, e Por onde andará Machado de Assis?. Ayrton Marcondes, 2004) e Olavo Bilac (Bilac vê estrelas. Ruy Castro, 2000), apareceram diversas interpretações "exemplares", “comprometidas” com os avanços reacionários que bronzeiam as almas tupiniquins. Ou seja, o gênero ganhou simpatizantes de peso, como comprovam diversos exemplos narrativos. Oswaldo Cruz protagoniza Sonhos tropicais (Moacyr Scliar, 1992), Getúlio Vargas dá o ar da graça em Agosto (Rubem Fonseca, 1990) e O homem que matou Getúlio Vargas (Jô Soares, 1998), Sua Majestade o Imperador D. Pedro I se esbalda em traquinagens em O chalaça (José Roberto Torero, 1994) e Era no tempo do rei (Ruy Castro, 2007) – sendo que Torero emula As maluquices do Imperador (Paulo Setubal, 1927) e Ruy Castro, o clássico Memórias de um sargento de milícias (Manuel Antonio de Macedo, 1852).

Como parte dessa brincadeira de esconde-esconde (deixando visível o pé ou o rabo), a literatura brasileira contemporânea preferiu flertar com a vida inteira que podia ter sido e que não foi – que jamais será. Inclusive porque a bandeira a ser hasteada no Pico da Neblina de nossas ilusões é outra. Com o passar do tempo, em lugar de enfrentar os monstros que atormentam diariamente, a arte de mentir com as palavras preferiu adotar outro tipo de desterramento. Mascarada de cerebral, procurando estabelecer um cânone onde as referências se sobrepõem à originalidade, a metástase produzida pela metaficção corroeu o corpo literário que a tradição havia construído.

Para que isso se tornasse possível foram sendo agregados alguns elementos que, de uma forma ou de outra, faltavam (ou que alguém julgou/jurou faltar) na literatura nacional. Ao reunir o universal com vários quilos de elementos pitorescos, sob escolta de grandes ações de marketing, a cena literária foi tomada de assalto pelo hibridismo oportunista, oportunamente distante do real.

De qualquer forma, dando prosseguimento a esse novo velho quadro, o horizonte literário foi povoado pelos múltiplos sócios do balaio de gatos. Em romances como O Xangô de Baker Street (Jô Soares, 1995) e Dias de Faulkner (Antônio Dutra, 2008) ou nos contos de Vésperas (Adriana Lunardi, 2002), Histórias mal contadas (Silviano Santiago, 2005) e Histórias de cegueiras e literatura (Julian Fuks, 2007), o deslocamento da identidade literária, quase imperceptível aos olhos dos leitores, acrescentou uma boa dose de charme cosmopolita ao acanhamento provinciano. Como sói acontecer em estruturas sociais carentes, bastou pequeno agrado para que Rapunzel abrisse as janelas da torre e jogasse as suas tranças ao sedutor – antevendo o gozo, o Don Juan suburbano babou na gravata, como comprova o conto Inverno, 1968 (Arthur Dapieve, 2005).

Enquanto não descobrir o lugar que pretende ocupar no mundo objetivo e os valores que quer defender, a literatura brasileira continuará sendo uma espécie de náufraga em alto−mar, ávida por encontrar uma tábua, qualquer tábua, aonde irá se agarrar – e, se tiver sorte, se salvar.