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sexta-feira, 5 de junho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (LXXV)




Continuo comprando livros. Não tantos como antes da quarentena. No entanto, não perdi a minha vocação de acumulador literário. É um vício. Ou uma doença. Ou as duas coisas juntas. A opção que melhor agradar ao freguês. Na mercearia literária, uns estão na frente do balcão; outros, atrás. Os livros físicos estão no meio.

Não consigo ler as edições virtuais. A distração é frequente. Não tenho e-reader. Nem quero ter. Talvez seja coisa da idade, a minha, que mostra dificuldades para se adaptar aos avanços da tecnologia. Faz parte do show.

O que me incomoda nos textos virtuais? Muitas coisas. Mas as ausências de textura, cheiro e peso são as principais. Decidi que, enquanto tiver forças, vou protestar contra o mundo asséptico, que tende a se transformar em uma massa amorfa, sem identidade.

Toda vez que o carteiro toca o interfone, anunciado a chegada de novo pacote de livros, é motivo de comemoração. Significa que, por mares nunca dantes navegados, a aventura do conhecimento continua sendo uma promessa de diversão.

Sim, compro mais livros do que a minha capacidade de leitura. Quando me fazem a mais cretina das perguntas, Você já leu isso tudo?, costumo dizer que não e que estou acumulando leituras para quando me aposentar. Doce mentira. Leitores e escritores nunca se aposentam. O exemplo clássico é Jorge Luis Borges que – depois que perdeu a visão – pedia para que lessem para ele e, através da voz do Outro, reinventava o leitor que sempre foi. Alberto Manguel, outro leitor excepcional, conta um pedaço dessa história no texto autobiográfico Com Borges (Belo Horizonte: Âyiné, 2018).

Em A Leste do Éden, muitas vezes traduzido por Vidas Amargas, do John Steinbeck (Belo Horizonte: Itatiaia, 1969), há uma cena emblemática. Adam e Samuel estão conversando, mas Adam é reticente em contar coisas de sua vida pessoal.

– (...) Talvez ainda lhe fale a respeito disso algum dia quando eu estiver disposto a contar e o amigo a ouvir.

– Estou sempre disposto a escutar. Devoro histórias como quem devora cachos de uvas.


Essa metáfora é perfeita para explicar a voracidade do leitor.



Não tenho restrições. Compro todos os livros que considero interessantes. Dinossauros, revolução francesa, teorias da conspiração, coleções de frases, poesia, romances, contos, cinema, jazz, xadrez. A biblioteca espelha a minha bagunça. Outro dia, em uma entrevista ao vivo (estou tentando eliminar aquela palavra da moda), vi uma escritora desconhecida. Desconhecida para mim, que fique bem claro. A força telúrica de Miriam Alves me fez comprar um exemplar de Maréia (Rio de Janeiro: Malê, 2019). Será minha próxima leitura, logo depois que terminar Apátridas, do Alejandro Chacoff (São Paulo: Companhia das Letras, 2020), que também comprei por motivo emocional. Sou um leitor dos textos do Alejandro, na revista Piauí. Uma coisa leva à outra e assim tropeça a humanidade.

Ao lado da cama, inúmeros livros estão acumulados. Todos são prioridades. Diariamente, por motivos diversos, acrescento um ou dois na pilha. Raramente retornam à estante. Sempre surge algo que preciso ler ou reler. Um diálogo incessante. Tarefa que não tem fim. Uma forma de felicidade.

Um comentário:

  1. Tenho poucas coisas que sou apegada.Uma delas são Boa meus livros! Adoro cada um deles!

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