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quinta-feira, 11 de junho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (LXXXI)



Participo, no Facebook, de vários grupos que reúnem leitores e leitura. Independente das características idiossincráticas de cada um deles (alguns voltados para prosa, outros para a poesia), o que me assusta e, ao mesmo tempo, me deixa aliviado, é que prevalece o conceito de que a leitura está ligada ao entretenimento.

Em outras palavras, grande parte das discussões se concentram em livros policiais, thrillers, narrativas de terror e histórias de amor (inclusive as de estilo “hot”). Aqui e ali, alguém faz referência aos clássicos ou aos gêneros relativamente marginais (para esses leitores) como a ficção científica e a poesia mais intimista ou que aborda questões identitárias. Mas isso está ficando raro. No geral, são leitores de Agatha Christie, Sidney Sheldon e Nicholas Sparks que predominam. Na poesia, o romantismo e os versos piegas fazem o coro dos contentes ficar deprimido.   

Ler é melhor do que não ler – em qualquer instância. E, se o leitor encontra algum tipo de fruição no texto, não há porque fazer ressalvas.

No entanto, na contracorrente, me proponho a elaborar restrição. Em vários momentos, o meu espírito anarcobibliográfico me empurrou para situações não muito pacificas. Tenho, esporadicamente, postado as capas de alguns livros que fogem do padrão de cada um desses grupos. Na maior parte das vezes, evito ser muito incisivo. Mas, confesso, há dificuldades em manter a civilidade.   

Também faço comentários em postagens alheias. Arrisco palpites, envio sugestões de histórias similares ou antagônicas, destaco passagens ou referências. Em alguns momentos, usando exemplos da teoria da literatura e da minha própria experiência de leitor, procuro indicar que há esta ou aquela possibilidade de ampliar o alcance de reflexão.

A ideia jamais será mudar a opinião dos leitores, longe disso. Mas, como a esperança é a última forma de resistência, faz parte da brincadeira assinalar (sublinhar) que a literatura não pode, nem deve, se contentar com narrativas “quadradinhas”, aquelas que descrevem dramas lacrimosos e enveredam para os finais felizes.  

Nem sempre funciona. Aliás, na maioria das vezes, são tiros n’água, o eterno brincar de “batalha naval”, um jogo que saiu de moda, mas que continua sendo uma metáfora razoável para essas situações em que o resultado depende mais do tatear do que da experiência.


Continuo acreditando que, em algum momento impreciso, surgirá um leitor com poder crítico, capaz de interpretar textos menos palatáveis para o público médio. Infelizmente, antes de qualquer coisa, urge ter claro o significado conceitual de poder crítico, textos menos palatáveis e público médio. Como isso complica muito a discussão, talvez seja melhor se concentrar apenas em multiplicar o número de leitores – uma tarefa que nunca foi fácil e que, com os avanços da tecnologia, está se tornando mais complicada.

Para a indústria cultural, o livro é um artigo comercial. Portanto, assim como uma lata de extrato de tomate, precisa ser consumido antes que o prazo de validade termine. Em paralelo, o acesso à informação e ao entretenimento, consequências naturais da modernidade, não melhorou a qualidade dos leitores. Diante de tantas alternativas, escolher causa angustia. Talvez isso explique (em parte) porque há tanto espaço para bloguistas literários nas redes sociais. São eles que, assim como os antigos críticos literários, estabelecem um “gosto médio” e decidem, através de indicações e resenhas, que livros devem ser lidos ou ignorados.

Distante das questões de gosto e de interesses pouco visíveis para o público, esse tipo de marketing literário não parece ter consistência. Tenho comigo que ampliar o leque de leitura deve se impor, mas me mostro cético com algumas indicações que são impulsionadas por editoras e/ou clubes de leitura.

O prazer de ler. Ler com prazer. Ver com outros olhos e além do que está visível. Estes me parecem ser os objetivos do leitor. O que desejam os editores, os livreiros e os blogueiros são outras coisas.  

  

Um comentário:

  1. Concordo! Eu por exemplo, vez ou outra, me pego lendo Paulo Coelho. E eu gosto!

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