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segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O pensamento moralista de Jean de La Bruyère (1643−1696) em quarenta aforismos

A glória ou o mérito de certos homens é de escrever bem; de outros, é de não escrever.

Não há gesto, por mais simples e imperceptível, que não revele nossa personalidade. Um imbecil não entra, nem sai, nem senta, nem levanta, nem se cala, nem se mantém de pé como um homem inteligente.

Há uma espécie de vergonha em ser feliz diante de certas misérias.

Os homens começam pelo amor, acabam pela ambição e muitas vezes só encontram tranqüilidade quando morrem.

Se é usual sentirmo−nos vivamente impressionado pelas coisas raras, por que é que nos comove tão pouco a virtude?

Quando as honras e a fortuna abandonam um homem, descobre−se o ridículo que elas cobriam, sem que ninguém o notasse.

Só o tolo pode tornar−se importuno: um homem inteligente sabe se agrada ou se aborrece; sabe desaparecer sempre antes de se sentir fora do ambiente.

A tortura é uma invenção maravilhosa e muito segura para perder um inocente de saúde fraca e salvar um culpado que nasceu robusto.

Não podemos levar muito longe uma amizade, se não estivermos dispostos a perdoar uns aos outros os pequenos defeitos.

Nada existe que os homens gostem mais de conservar e que tanto desperdicem como sua própria vida.

Devemos procurar apoio daqueles a quem queremos bem e não daqueles de quem esperamos algum bem.

Os jovens, por causa das paixões que os distraem, suportam melhor a solidão que os velhos.

Há homens que, se pudessem conhecer seus subalternos e conhecer−se a si próprios, teriam vergonha de estar em evidência.

Receamos a velhice porque não temos certeza de chegar a ela.

O pior caráter é não ter caráter.

É realmente uma desgraça não ter espírito bastante para falar bem, nem suficiente discernimento para calar. Este é o princípio de toda impertinência.

Só há neste mundo duas maneiras de crescer: por seu próprio trabalho ou pela imbecilidade dos outros.

Devemos calar com relação aos poderosos; há quase sempre lisonja ao falar bem deles; há perigo ao falar mal enquanto vivem e covardia depois que estão mortos.

Não é vergonha nem erro para um jovem desposar uma mulher de mais idade; às vezes é prudência, precaução. A infâmia é aproveitar−se de sua benfeitora com tratamentos indignos e que deixam transparecer que ela é vitima de um hipócrita e de um ingrato...

É bom todo o homem que faz o bem aos outros; se sofre pelo bem que faz, ele é muito bom; se sofre por aqueles a quem faz esse bem, é de uma bondade tão grande que esta só podia ser maior se acaso seu sofrimento aumentasse; e se morre em conseqüência desse sofrimento, sua virtude não poderia chegar mais longe: é heróica, é perfeita.

Para o homem, só há três acontecimentos: nascer, viver e morrer. Não se lembra do nascer, sofre para morrer e esquece de viver.

Há na amizade pura um perfume que aqueles que são medíocres não podem respirar.

Abrimos as lojas e expomos todas as manhãs para enganar nosso próprio mundo; fechamos à tarde, depois de ter enganado o dia inteiro.

É por fraqueza que se detesta um inimigo e que se pensa em vingança; e é por preguiça que se fazem as pazes e não se pensa mais em vingança.

Um homem que acaba de ser nomeado para um cargo não se serve mais de sua razão e de seu espírito para regular sua conduta e sua aparência exterior com relação aos outros; assume como regra aquela de seu posto e de sua posição: disso decorre o esquecimento, a altivez, a arrogância, a dureza, a ingratidão.

Há pessoas que falam antes de pensar. Há outras que prestam tanta atenção ao que dizem, que se tornam fastidiosas para quem as escuta; é como se tivessem somente frases e expressões petrificadas, que lhe inspiram os gestos e as atitudes: são puristas e não arriscam a mais leve palavra ao acaso, mesmo que causasse o mais belo efeito; não lhes escapa a menor expressão feliz, nada escorre genuinamente e com liberdade: falam com propriedade de termos, mas de modo enfadonho.

Um homem que viveu em intrigas durante certo tempo não pode mais passar sem elas; qualquer outra via é para ele desoladora.

O amor que nasce inesperadamente é o que mais custa a curar.

Um homem honesto recebe seu pagamento pelo trabalho que lhe dá o cumprimento do dever, pelo prazer que sente em cumpri−lo e não lhe interessam os elogios, a estima e o reconhecimento que por vezes não encontra.

A mulher inconstante é aquela que já não ama; a leviana, aquela já ama outro; a inconstante, aquela que não sabe se ama e a quem ama; a indiferente, aquela que não ama ninguém.

Aquele que não pode suportar os caracteres impertinentes, de que o mundo está cheio, não mostra ter bom caráter. Para o comercio, são necessárias tanto as moedas de ouro como as de prata.

O desgosto mata o amor e o esquecimento o enterra.

Um escravo tem um senhor. Mas um homem ambicioso tem muitos senhores: todas as pessoas que lhe podem ser úteis para ele subir na vida.

Um homem guarda melhor o segredo alheio que o seu. Uma mulher, ao contrário, guarda melhor seu próprio segredo que o alheio.

A vista curta, quero dizer, os espíritos limitados e apertados em sua pequena esfera não podem compreender essa diversidade de talentos que se encontram às vezes numa só pessoa: onde notam o agradável, excluem o sólido; onde julgam descobrir os encantos do corpo, a agilidade, a flexibilidade, a destreza, não admitem a existência dos dons da alma, a profundidade, a reflexão, a sabedoria: eliminam da história de Sócrates a informação de que ele dançava.

Há muitas pessoas de quem só o nome vale alguma coisa. Quando as vemos de muito perto, são menos que nada; de longe, se impõem.

Já vi uma moça, uma linda moça, que dos treze aos vinte e dois anos sonhava em ser mulher e, daí por diante, desejava ser homem.

Raras vezes nos arrependemos de falar pouco e muitas vezes de falar demais: máxima desgastada e trivial que todos conhecem e que todos não a praticam.

Não há no mundo tarefa mais árdua que a de conseguir fama: mal a vemos surgir, logo a vida acaba.

Falar e ofender, para certas pessoas, é precisamente a mesma coisa. São ásperas e amargas, de estilo cheio de fel e azedume: o escárnio, a injuria, o insulto escorrem de seus lábios como a saliva. Teria sido melhor para elas se tivessem nascido mudas ou idiotas: o espírito e a vivacidade que têm, prejudica−as mais que a outros sua estupidez. Nem sempre se contentam em responder com azedume, atacam muitas vezes com insolência; mordem a todos aqueles que se encontram a seu alcance, presentes e ausentes, ferem de frente e de lado, como os carneiros: pode−se exigir a um carneiro que não tenha chifres? De igual modo, não podemos esperar que caracteres tão duros, ferozes e indomáveis que se modifiquem com essa figura. O melhor que temos a fazer, ao avistar essas pessoas, é fugir correndo, sem sequer olhar para trás.

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