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quinta-feira, 4 de abril de 2013

A ARTE DE ESCREVER OBITUÁRIOS

A Sibéria do jornalismo contemporâneo é a coluna dos obituários. Pior do que isso somente o instante em que a vida do jornalista responsável pelo setor se transforma no texto publicado. Esse é um dos riscos da profissão. Essa é uma das ironias da vida – que muitas vezes prefere “publicar” a piada em detrimento da sobriedade das relações sociais.

Para quem quer construir uma carreira profissional no jornalismo, escrever comentários fúnebres (também conhecidos como necrológios) se assemelha ao garimpar ouro em mina de sal. Publicado em locais inóspitos, muitas vezes ao lado de anúncio publicitário ou calhau, correndo o risco de sequer ser percebido pelo leitor, esse tipo de texto exige um redator com algum talento literário e que seja capaz de resumir a história de uma vida em poucos parágrafos.

Há quem goste. Mais do que isso, há quem transforme a considerada pouco nobre função em texto de qualidade. Afinal, como disse alguém (ou, se não disse, deveria ter dito), o destino da literatura é a vida eterna – mesmo quando se trata da morte. O Livro da Vida (obituários do New York Times), volume organizado por Matinas Suzuki Jr., e que integra uma coleção voltada ao Jornalismo Literário, ambiciona alcançar esse patamar.

Em 310 páginas estão espalhados 57 obituários, alguns textos assessórios e um inspirado posfácio (A pauta de Deus). Para surpresa de muitos leitores, a coletânea (que aparentemente destaca um aspecto menor do jornalismo) deve ser vista como um manual indispensável para quem vive e sobrevive nas redações dos jornais e revistas. Estudantes incluídos nesse pacote. 

Entre os muitos personagens retratados há uma fauna singular, dezenas de vidas impressionantes, quase inverossímeis. Para todos os gostos – ou desgostos. Desde Jerry Siegel (o homem que criou o Super-homem e vendeu os direitos autorais por míseros 130 dólares) até Nguyen Ngoc Loan (o general vietnamita que ficou famoso ao ser fotografado executando um preso em 1968).

Um dos momentos mais interessantes remete a um episódio da históriado aviador Douglas Corrigan. Em Nova Iorque, ele pediu permissão para um voo experimental, sem escalas, para Los Angeles, Califórnia. Aterrissou 28 horas depois em Dublin, Irlanda. Passou a vida inteira sustentando que havia feito uma curva errada e se perdera por causa de uma bússola defeituosa.

Com carinho e talento, o livro celebra a existência humana – como comprova o texto fúnebre em homenagem a Robert McG Thomas Jr., o homem que praticamente inventou a fórmula jornalística utilizada nas páginas de obituários.

Para Matinas Suzuki Jr., Os melhores obituaristas desempenham o papel de pequenos deuses ao dar o sopro de novas vidas, pelo curto espaço da leitura (...). Quando um obituarista acerta a mão, chega a dar imortalidade a certas coisas que, sem ele, seriam singelamente irrelevantes. São os detalhes que fornecem valor à existência humana, que nos distinguem em um universo de mesmices.


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