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quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O PRÓXIMO DA FILA

São as tragédias familiares que causam mudanças significativas na vida. O Próximo da Fila, primeiro romance de Henrique Rodrigues, está centrado em, pelo menos, dois desses momentos complicados em que o instinto de sobrevivência precisa ultrapassar o poder de sedução do abismo. Diante das dificuldades, tudo se transforma em provação. Ou melhor, em superação.

O Próximo da Fila constitui uma versão brasileira do mito do paraíso perdido – retratada pelos olhos de um adolescente de classe média, que, em razão da morte do pai, precisa se reinventar como adulto. Diante de inesperada dificuldade econômica, a sua família começa a procura por alternativas para sobreviver. Pressionado para ingressar – prematuramente – no mercado de trabalho, o protagonista e narrador (inominado, em primeira pessoa) consegue o primeiro emprego em 1993, em uma lanchonete de fast-food. Ingênuo, sem preparação (teórica ou prática) para entender as sutilezas que envolvem as engrenagens capitalistas, o protagonista, em um primeiro instante, não percebe que a empresa adota um esquema de produção voltado à maximização dos lucros e ao rebaixamento da mão-de-obra – todos aqueles que não se adaptam ao “padrão” proposto pela franquia são descartados. Assim, contrariando toda a sua experiência anterior, adquirida em âmbito restrito (família, escola, vizinhança), as relações sociais ficam atreladas ao desempenho profissional. Todos os seus colegas de trabalho são sombras que surgem e desaparecem com o passar do tempo. Mesmo aqueles que conseguem romper com a transitoriedade, e participam de algum episódio incomum, acabam sendo esquecidos.     

Henrique Rodrigues e o primeiro emprego
Misturando ficção e realidade, o romance fornece uma interessante perspectiva de quanto se torna penoso superar a adversidade – produzida por fatores que não podem ser controlados. Essa experiência (de vida, profissional, afetiva) deixa “marcas nas mãos”. O rebaixamento econômico contrasta com a riqueza emocional. O leitor comum, guiado pelo sensorial, encontra elementos de empatia na narrativa – e, de maneira pouco auspiciosa, constata que a luta dele (do protagonista), em muitos aspectos, pode ser uma espécie de representação da sua (leitor). Principalmente, se esse leitor não estiver no topo da pirâmide social. Eu nunca coube no espaço da felicidade simples, afirma o protagonista.

Uma das características “visíveis” de O Próximo da Fila se apresenta na lenta transição da vida coletiva para a vida individual. O ambiente doméstico (parte inicial da narrativa) se decompõe no cenário público (a lanchonete). Enquanto as discussões caseiras (envolvendo a mãe e as tias) se concentram na superação das dificuldades financeiras, os laços familiares se mantêm intactos. Depois que o protagonista começa a trabalhar na lanchonete, a tensão diminui, mas a introspecção predomina. Tudo fica um pouco mais melancólico. Esse fenômeno contamina, inclusive, os personagens mais significativos. As divertidas idiossincrasias das duas tias desbotam, perdem a importância, desaparecem. A mãe também vai esvanecendo. As poucas intervenções maternas ocorrem em momentos pontuais. O mundo conhecido perde a sua dimensão integradora. A paixão se transforma em algo negativo, próximo do indescritível. Apenas a namorada consegue fornecer alguma substância aos relacionamentos afetivos do protagonista. Nas páginas finais do romance, sobra apenas o narrador – e o seu relato.

No intervalo entre a primeira e a segunda tragédia, há espaço para descobrir, entre outras preciosidades, que a máquina usada para moer a carne dos sanduíches também serve para moer sentimentos. Embora não seja exatamente isso o que acontece em O Próximo da Fila, as páginas finais do livro servem para avisar que a decepção e a crueldade estão bem próximas.


 

Henrique Rodrigues é um daqueles escritores que domina a difícil arte de escrever fácil. Ou seja, ele cria a ilusão de que não é necessário fazer esforço para produzir um bom texto. Em O Próximo da Fila (com economia de elementos narrativos, bons diálogos e um enredo criativo) construiu um bildungsroman (romance de formação) de ritmo contagiante e que têm como maior qualidade o ponto de vista de um personagem de baixa extração econômica (fato raro na literatura brasileira contemporânea, que costuma se concentrar nas “riquezas” burguesas). Escreveu vários livros infantis e juvenis, e o livro de poemas A Musa Diluída. Organizou as antologias de contos Como se Não Houvesse Amanhã (inspirada em canções da Legião urbana) e O Livro Branco (inspirada em canções dos Beatles).


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