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domingo, 21 de outubro de 2018

O PRIMEIRO HOMEM


No dia 20 de julho de 1969, Neil Alden Armstrong pisou na lua. Como não havia televisão na casa de meus pais, fomos ver o espetáculo na residência de um dos tios. Talvez não tenha sido no dia exato, mas em um domingo logo depois. O fato é que aquele momento histórico, que assistimos em preto e branco, e muitos chuviscos, contaminou o imaginário mundial. Para mim, foi apenas a comprovação das viagens interplanetárias que conhecia por meio do Flash Gordon ou do desenho animado The Jetsons – além da leitura de inúmeros romances de ficção científica.

O Primeiro Homem (First Man, Dir. Damien Chazelle, 2018, baseado no livro First Man: the life of Neil A. Armstrong, de James R. Hansen) se aproxima perigosamente das hagiografias. Felizmente o diretor do filme conseguiu evitar os momentos de sentimentalismo exagerado – embora abuse das reiteradas recordações da filha morta de Armstrong.

 Ryan Gosling (acompanhado da eterna cara de paisagem) consegue passar a mensagem. Neil Armstrong era um técnico incapaz de deslocar o pensamento um milímetro para fora das regras. Obstinado, raramente sociável, pouco interessado no que acontecia no mundo ao seu redor. Uma esfinge. O material humano perfeito para ser manipulado ideologicamente durante a Guerra Fria. Há quem diga que foi um patriota – basta ver parte do filme para discordar desse rótulo. Armstrong queria fugir de si mesmo e foi como soldado da corrida espacial que logrou êxito (o filme efetua um recorte nessa parte de sua vida, o que aconteceu depois fica restrito ao livro, publicado no Brasil pela Intrínseca).

A competição entre estadunidenses e russos pelo domínio (???) do espaço causou muitas mortes. A ciência costuma ser impiedosa em relação ao custo-benefício de cada descoberta. Mais tarde, ao revender o produto obtido (com grande margem de lucro), não terá escrúpulos em negar pagamento de royalties aos que perderam a vida durante a pesquisa. Faz parte do show.
 
Neil Alden Armstrong (1930-2012)
A substância da corrida espacial está delimitada em uma questão básica: os estadunidenses não conseguiam aceitar os feitos protagonizados pelo Sputnik, pela cadela Laika e por Yuri Alekseievitch Gagarin. Com o orgulho ferido, precisavam realizar algo grandioso – e que diminuísse as façanhas russas. A viagem lunar surge, nesse instante, como um objetivo a ser alcançado.

Ao chefiar a missão Apolo XI, Armstrong conseguiu esculpir o seu nome na história mundial. Sua frase de efeito ao pisar o solo lunar, one small step for man, one giant leap for mankind, resume a aventura. O resto é lenda.

Em relação aos personagens que tripularam a Apolo XI, o filme destaca a sobriedade de Armstrong, a big mouth de Edwin Eugene Aldrin Jr. e... a invisibilidade de Michael Collins. Qualquer espectador que desconheça os detalhes da viagem espacial poderá imaginar que Collins foi apenas um coadjuvante sem personalidade – o que, obviamente, não corresponde aos fatos. Sem a sua presença, como piloto do módulo de comando, a vida de Armstrong e Aldrin não valeria um centavo furado. Infelizmente, o filme preferiu ignorar essa particularidade.

O momento mais agudo do filme está centralizado em um monólogo. Ou melhor, em uma lição ética. Armstrong, prestes a viajar para a lua, procura fugir dos filhos. Não quer se despedir. A intensidade do discurso de Janet (interpretada por Claire Foy) impressiona. Enquanto a esposa esbraveja, Armstrong fica calado. A argumentação é tão enfática que ele percebe que nada mais lhe resta senão a rendição. Diante dos dois meninos, explica os riscos que está correndo e que há a possibilidade de não regressar. O mais novo o abraça; o mais velho lhe estende a mão. Toda a fragilidade da vida está exposta nessa cena.

O Primeiro Homem não é filme para ser visto na tela do computador ou na televisão. Há centenas de detalhes que somente são perceptíveis em tela grande. Além disso, a lentidão do ritmo narrativo convida à dispersão.

Neil Alden Armstrong, Michael Collins, Edwin Eugene Aldrin Jr.

A cinematografia sobre viagens espaciais é bastante extensa e diversificada. Alguns momentos ficcionais importantes são:

– Viagem à lua (Le voyage dans la lune). Dir. George Méliès, 1902.
– 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A space odyssey). Dir. Stanley Kubrick, 1968.
– No Assombroso Mundo da Lua (Countdown). Dir. Robert Altman, 1968.
– Solaris (Solyaris). Dir. Andrei Arsenyevich Tarkovski, 1972.
– Os Eleitos (The right stuff). Dir. Philip Kaufman, 1983.
– 2010 – o ano que faremos contato (2010: The year we make contact). Dir. Peter Hyams, 1984.
– Apolo 13 – do desastre ao triunfo (Apollo 13). Dir. Ron Howard, 1995.
– Perdidos no Espaço (Lost in space). Dir. Stephen Hopkins, 1998.
– Lunar (Moon). Dir. Duncan Jones, 2013.
– Gravidade (Gravity). Dir. Alfonso Cuarón, 2013.
– Interestelar (Interstellar). Dir. Christopher Nolan, 2014.
– Perdido em Marte (The martian). Dir. Ridley Scott, 2015.
– Estrelas Além do Tempo (Hidden figures). Dir. Theodore Melfi, 2016.

Franquias como Star Trek, Star Wars, Aliens, e tantas outras, também abordam o tema.

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